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O (ainda) mistério da morte de Orlando Cristina


O líder da RENAMO, Afonso Dhlakama (centro, com mão na arma), algures em Moçambique, em foto de 1991
O líder da RENAMO, Afonso Dhlakama (centro, com mão na arma), algures em Moçambique, em foto de 1991

A morte do então líder da Renamo, a 17 de Abril de 1983, continua rodeada de algum mistério. Boaventura Bomba teria sido o cérebro do crime

A 17 de Abril de 1983 era assassinado nos arredores de Pretória, na África do Sul, o então Secretário-geral da Renamo Orlando Cristina. Foi um crime que abalou o então movimento rebelde moçambicano e que na altura expôs as ligações do movimento à África do Sul. Mas quem era Orlando Cristina? Quem o matou? E porquê?

Quem era Orlando Cristina

Orlando Cristina é hoje uma figura de que pouco se fala. Denegrido na narrativa do partido no poder, a FRELIMO, praticamente ignorado pela Renamo, o movimento a que esteve ligado como dirigente e fundador. Mas figura controversa ou não é alguém que pelo seu papel dentro da Renamo faz parte da história.

Natural de Portugal, Orlando Cristina foi para Moçambique, para a província do Niassa, ainda muito novo aparentemente depois de se envolver em Portugal com o Movimento de Unidade Democrática, o MUD Juvenil, uma organização de oposição ao regime de António Salazar quando era estudante de direito. As sua mãe pensou que envia-lo para junto do pai seria o melhor meio de o curar, por assim dizer, dessas ideias.

João Cabrita, historiador e autor de livros sobre a recente historia de Moçambique, disse á Voz da América que Cristina se envolveu profundamente com as populações locais., interessando-se pelas culturais e locais e desenvolvendo “um espírito de Lawrence da Arabia”.

“Mas isto sempre como parte do regime colonial,” disse. Depois de cumprir o serviço militar Orlando Cristina esteve ligado ao gabinete de informações militares do exercito

Foi aquando membro dessa repartição de informações das forças armadas portugueses que Cristina fugiu para a Tanzânia. Uns dizem que foi a mando da policia secreta portuguesa, a PIDE, Cristina diz que fugiu por desentendimentos com a policia do regime .

Cristina regressou a Moçambique e esteve preso por deserção sendo nessa altura que conhece o empresário português Jorge Jardim, uma figura de grande peso político e económico em Moçambique viria a jogar um papel importante nos esforços para se conseguir uma via para a independência diferente da advogada pela FRELIMO o movimento que em 1964 inicia a luta armada de libertação.

A alegação feita pela FRELIMO é que após o começo dessa luta armada Orlando Cristina esteve sempre envolvido ao lado de Portugal na luta contra o movimento de libertação. “Na pratica isso é verdade,” disse Cabrita.

Contudo o contacto Jcom Jardim leva-o a pensar na independência de Moçambique e a pensar num exercito moçambicano sendo “aí que surge uma ideia de um exercito moçambicano” cuja base seriam os chamados Grupos Especiais formado por moçambicanos.

Para Orlando Cristina e Jorge Jardim a esperança era que esses grupos especiais, parte do exercito colonial português pudessem ser a certa altura o embrião de um futuro exercito moçambicano

Tudo isso claro está não passou, em termos históricos, de uma fantasia. Com o golpe de estado em Portugal a 25 de Abril de 1974 são abertas as portas para independência de Moçambique com a FRELIMO, e apenas a FRELIMO, a controlar todo o sistema político.

Orlando Cristina é preso no Malawi quando tenta entrar em Moçambique para se juntar a um chamado Sistema de Auto Defesa de Mecanhelas que ele próprio havia formado. Depois de libertado Orlando Cristina regressa á então Rodésia onde começa a trabalhar directamente com o serviços de informações rodesiano a CIO.

Por essa altura o Ministério da Informação rodesiano cria emissões radiofónicas em português para Moçambicque marcadas por uma linguagem abertamente colonial e racista.
É depois criada a emissora Voz da África Livre e Orlando Cristina assume o controlo da linha editorial da emissora sendo em 1976 que essa rádio adquire um cariz que deixa de ser apenas insultuoso.

É a partir dai que nasce a Renamo. A rádio joga um papel na fuga de pessoas para a então Rodésia entre eles o fundador militar da RENAMO, André Matsangaíça, que no seu primeiro encontro com Orlando Cristina lhe firsa a necessidade de criação de uma “luta armada”.

Inicialmente contudo, diz Joao Cabrita, os rodesianos não apoiam a ideia de um movimento de guerrilha moçambicano devido ao que diz ser a “mentalidade segregacionista” do regime de minoria branca.

Os rodesianos decidiram dar apoio a pequenos grupos com o objectivo de criar, ao longo da fronteira, zonas tampão para controlar e destabilizar as rotas de infiltração da guerrilha do Zimbabwe baseada em Moçambique

É quando se iniciam as negociações para a a tranferencia de poderes no Zimbabwe que a Renamo começa a estabelecer-se permanentemente no interior de Moçambique. Estamos em Agosto e Outubro de 1979 .

O apoio à RENAMO passa a ser feito pela África do Sul. Mas a liderança da RENAMO diz Joao Cabrita, é sempre assumida por militares radicados no interior de Moçambique. Não há uma estrutura politica estando os políticos no exterior.

“O Orlando Cristina apercebeu-se dessa realidade mas tinham sempre a fantasia do homem chave e aliás ele projectava essa imagem especialmente dentro da comunidade portuguesa na África do Sul,” disse João Cabrita. “Ele projectou essa imagem de estar no comando quando na verdade não era essa a realidade,” acrescentou.

Aliás os sul africanos tentaram inicialmente afastar orlando Cristina apostando num plano que visava colocar o exilado adovogado Domingos Arouca no comando da Renamo.

Mas este plano dos sul africanos embate num problema. Afonso Dhlakama o líder da guerrilha informa os sul africanos que não está interessado em avistar-se com Domingos Arouca.

Mais tarde em finais de 1980, diz João Cabrita Orlando Cristina obtêm o titulo de Secretário Geral da Renamo e reassume gradualmente o papel de elo de ligação entre os sul africanos e e o movimento

Em 1983, graças ao apoio sul africano, a rebelião da Renamo, alastra-se a todo o pais. É precisamente nesse ano que Orlando Cristina é assassinado. Hoje fala-se de divergências internas dentro da Renamo, de conspirações envolvendo mesmo os serviços secretos sul africanos.

O seu assassinato dá-se depois da fuga do tenente aviador Adriano Bomba para a África do sul com o seu avião MiG. É nessa altura que as desavenças com o grupo da comunidade portuguesa - que queria ter influencia no processo - vem de novo ao de cima.

A fuga de Moçambique do aviador Adriano Bomba é organizada pelo seu irmão Boaventura Bomba, ligado aos serviços secretos sul africanos e também aos elementos da comunidade portuguesa na Africa do Sul que apoiam a Renamo.

Os sul africanos pedem que os irmãos Bomba sejam integrados na Renamo e por insistência do próprio Orlando Cristina, o presidente da Renamo, Afonso Dhlakama, inicialmente relutante, acaba por aceitar isso.

“Foi o erro fatal de Cristina,” disse João Cabrita. Após ter sido nomeado Comissário Político Boaventura Bomba pede uma reunião da Comissão Nacional para discutir o afastamento de Cristina. Este consegue impedir isso e Bomba perde o seu lugar. Boaventura Bomba planeia então o assassinato de Orlando Cristina morto em sua casa nos arredores de Pretoria.

O assassinato foi contudo testemunhado por um trabalhador da Radio Voz da África Livre e alguns dias depois Boaventura Bomba e outros quatro cúmplices foram presos. Viriam mais tarde a ser executados num campo militar sul africano na Namíbia, disse João Cabrita citando depoimentos na comissão de verdade e reconciliação da Africa do Sul. O piloto Adriano Bomba morreu em Moçambique em situações ainda pouco esclarecidas. Oficialmente terá sido morto numa emboscada.

A história de Orlando Cristina termina aqui. Mas qual o impacto deste homem na recente historia de Moçambique. Influente, exagerada, sem qualquer importância? “Eu muitas vezes penso nisso. Será que não tivesse existido existira uma RENAMO?;” interroga-se o historiador João Cabrita.

“Acho que sim que é possível talvez não com a mesma imagem de um movimento que tentou ser por um Moçambique genuinamente independente,” disse Cabrita.

“Não acredito que Cristina fosse genuinamente por um Moçambique independente dado o seu passado mas o facto é que dos colaboradores de Orlando Cristina muitos deles eram convictos moçambicanos nacionalistas,” acrescentou.

Ouça aqui a longa entrevista com João Cabrita na sua totalidade.

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