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Insurgência em Cabo Delgado: Governo está a combater "sem conhecer a dimensão real do inimigo", diz bispo de Pemba


Gente nas ruas do Bairro Carioca em Pemba, província de Cabo Delgado, Moçambique
Gente nas ruas do Bairro Carioca em Pemba, província de Cabo Delgado, Moçambique

Dois anos e meio depois do começo da insurgência armada na província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, as Forças de Defesa e Segurança, ainda não conseguiram refrear a revolta que já deixou pelo menos 1100 mortos, segundo dados actualizados do Projeto de Localização de Conflitos Armados e Dados de Eventos (ACLED na sigla inglesa).

A insurgência que já forçou cerca de 200 mil deslocados parece estar longe de ser controlada.

O bispo de Pemba, Luiz Lisboa, considerou que as forças governamentais estão a combater os insurgentes em Cabo Delgado, sem conhecer a dimensão real do inimigo, pela passividade na resposta, uma semana depois de Maputo reconhecer que o país esta a enfrentar “agressão externa perpetrada por terroristas”.

Insurgência em Moçambique: Cabo Delgado está em guerra há dois anos
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O Conselho Nacional de Defesa e Segurança concluiu, numa reunião a 23 de Abril, que o país enfrenta uma “agressão externa perpetrada por terroristas” em Cabo Delgado, com apelos da maior colaboração da população no combate aos insurgentes.

“Que haja pessoas de fora isso com certeza há, mas há muitos moçambicanos envolvidos, então o que isso significa?” questionou Luiz Fernando Lisboa, assegurando que olha com “respeito e preocupação” o posicionamento de Maputo.

“Alguns analistas, eu tenho ouvido muitos debates, têm duvida se este grupo armado está realmente ligado ao Estado Islâmico, ou se está a aproveitar deste nome que é grande, então isso não parece tão claro”, observou o responsável da igreja católica.

Em menos de 48 horas, entre 24 e 25 de março, grupos armados ocuparam as sedes dos distritos de Quissanga, Muidumbe e Mocímboa da Praia, na província de Cabo Delgado, supostamente perante uma passividade das forças de defesa e segurança. Os insurgentes continuavam a controlar parte de Quissanga até a semana passada.

“Se nós não temos toda capacidade, o governo tente nos pedir socorro, para continuar (o combate a insurgentes), o que está a fazer o governo moçambicano incapacitado. Em Quissanga (os insurgentes) 'nacionalizaram' aquilo” disse Martins Ninta, da tribo maconde e que sobreviveu ao ataque de captura a Quissanga.

Num vídeo posto a circular nas redes sociais, poucas horas depois do grupo autoproclamado Estado Islâmico reivindicar o ataque a Muidumbe, um jihadista, aparentemente num comício popular na aldeia Ntchinga, justificou a captura da vila como a pretensão de impor um Estado Islâmico em Cabo Delgado.

“Desde o início eles (insurgentes) nunca tinham se manifestado desta maneira, e isso começou no início deste ano, quando eles invadiram essas vilas, e começaram a usar este tipo de linguagem, então é muito difícil saber até que ponto isto é mesmo verdade” declarou Luiz Lisboa, salientando que o grupo mata indiscriminadamente cristãos e muçulmanos.

Um vídeo, da Agência de Notícias Amaq, do Estado Islâmico, divulgado a 20 de abril, dizia: "Um helicóptero foi abatido por combatentes do Estado Islâmico na quarta-feira (8 de abril)", tentando confirmar o abate de uma Gazelle ZU-ROJ, que foi relatado como sido atingida por disparos de armas de pequeno porte, na caixa de velocidades, enquanto visava insurgentes islâmicos.

O abate a aeronave seria o primeiro contratempo do Dyck Advisory Group (DAG), o grupo que actua com mercenários e que apoia as forças moçambicanas no combate a insurgência em Cabo Delgado, e que se acredita que pilotava a Gazelle ZU-ROJ, registado na empresa sul-africana Aviator at Work em dezembro de 2019.

Uma sobrevivente do ataque a aldeias de Muidumbe a 8 de abril, relatou à VOA que helicópteros particulares sobrevoaram algumas aldeias de Mueda e Muidumbe no dia em que escapou a invasão dos insurgentes a sua aldeia.

Na mesma data, as autoridades moçambicanas relataram o ataque aéreo as bases jihadista de Ahlu Sunnah wa Jamaa (ASWJ), localmente conhecidos por Al-Shaabab, nas áreas de Mbau e Awassi.

Acredita-se que as Gazelle em Moçambique sejam operadas pelo Dyck Advisory Group com outras entidades fornecendo ativos. A nossa reportagem presenciou no aeroporto de Pemba o transporte de militares sendo assegurado pela Laas Internacional com uma aeronave Cessna registada em Moçambique (C9-Sky) e uma Caravan, operada pela Cemair, uma empresa privada sul-africana, que opera no transporte turístico.

Aparentemente a logística dos jihadistas é feita a partir de barcos que se encontram nas águas junto as ilhas de Cabo Delgado, e acredita-se que seja em Ibo e Matemo, com águas profundas. Nos maiores ataques dos insurgentes, o grupo chega via fluvial.

Combate à insurgência com apoio estrangeiro

O governo moçambicano vem lutando contra esta crescente insurgência islâmica no país, que já matou mais de 1100 pessoas. Em Agosto de 2019, chegou a Moçambique uma comitiva do Grupo Wagner russo para ajudar a combater os islamitas, mas acredita-se que depois de sofrer inúmeras baixas tenha sido retirada em março deste ano.

Entretanto também chegou o apoio de mercenários sul-africanos, para este combate.

Vídeos e fotografias publicadas nas redes sociais mostram a força estatal a queimar palhotas, que se supõem sejam acampamento dos jovens jihadistas, e a reocupar um comando da Polícia ainda com marcas de destruição, poucos dias depois das autoridades anunciarem a morte de mais de 100 insurgentes.

Joseph Hanlon, analista que investiga sobre Moçambique, escreveu na sua publicação a 6 de maio que as forças estatais começaram a combater a sério os insurgentes recentemente, depois que um acampamento turístico do parque das Quirimbas, e outras aldeias, incluindo Arimba, foram queimados, entre 27 e 30 de abril.

Esta é a primeira reportagem de uma série sobre a insurgência em Cabo Delgado

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