Invasores queriam "subverter nosso processo democrático", disse polícia sobre ataque ao Capitólio

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Aquilino Gonell, polícia do Capitólio, limpa os olhos durante audiência na Câmara dos Representantes

Câmara de Representantes inicia investigação aos incidentes de 6 de Janeiro

Quatro policias contaram a um comité de investigação do Congresso dos Estados Unidos, em lágrimas, detalhes da invasão ao Capitólio dos apoiantes do antigo Presidente Donald Trump a 6 de Janeiro, dia da certificação da vitória de Joe Biden na eleição de 3 de Novembro de 2020.

Foram os primeiros depoimentos feitos no início da investigação nesta terça-feira, 27, liderada pela Câmara dos Representantes.

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Dois agentes da força policial do Capitólio e dois do Departamento da Polícia da cidade de Washington disseram temer pelas suas vidas quando cerca de 800 manifestantes passaram por autoridades policiais mal equipadas, insultaram-nas com epítetos raciais e políticos e lutaram corpo-a-corpo com a polícia, ao mesmo tempo que atiravam contra eles produtos químicos e agarravam os seus escudos e armas.

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Comité do Congresso Americano ouviu polícias sobre motim de 6 de Janeiro

Sete membros democratas da Câmara dos Representantes e dois legisladores republicanos integram um selecto comité que ouviu os depoimentos transmitidos pelas televisões.

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“Os manifestantes chamaram-me de 'traidor', uma 'desgraça' e gritaram que eu (um veterano do Exército e policia) deveria ser 'executado', revelou o oficial da Polícia do Capitólio Aquilino Gonell, durante a sessão de três horas e meia.

“Aquilo a que fomos submetidos naquele dia foi como algo saído de um campo de batalha medieval”, disse Gonell, quem relatou ter lutado “corpo-a-corpo e centímetro a centímetro para evitar uma invasão do Capitólio ante uma multidão violenta com a intenção de subverter o nosso processo democrático.”

Gonell revelou que, a certa altura viu-se quase esmagado pelos manifestantes, pensou: “É assim que vou morrer”.

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O polícia de Washington, Michael Fanone narrou que foi “agarrado, espancado e electrocutado, o tempo todo, sendo chamado de traidor do meu país”.

“Eu corria o risco de ser despojado e morto com a minha própria arma de fogo", concluiu.

Quem também prestou depoimento foi o agente policial de Washington Daniel Hodges, que ficou apertado entre portas e disse que um dos invasores lhe ameaçou: "Você vai morrer de joelhos!"

Por seu lado, o policia do Capitólio dos EUA, Harry Dunn, que é negro, revelou que os manifestantes lançaram contra ele epítetos raciais vis, após uma troca de palavras na qual ele reconheceu ter votado em Biden.

“Ainda estou a sofrer com o que aconteceu naquele dia”, disse Dunn, que pediu um momento de silêncio para lembrar o colega Brian Sicknick, que ajudou a defender o Capitólio, mas morreu de causas naturais um dia depois.

Dunn disse que as memórias de 6 de Janeiro “ainda não acabaram para mim, física e emocionalmente”, e que ele faz terapia psicológica.

Republicanos chamam invasores de "turistas"

Nos meses que se seguiram ao caos no Capitólio, vários republicanos, na tentativa de livrar o incentivo de Trump a seus partidários de “lutar como o inferno” para anular a votação que mostrava que ele havia perdido para Biden, minimizaram a violência no Capitólio.

Um legislador disse que os 800 que entraram no Capitólio eram muito parecidos a turistas, enquanto alguns republicanos votaram contra homenagear a polícia por proteger o Capitólio.

Os líderes republicanos sustentaram que o motim está a ser investigado adequadamente por agências de segurança e outros comités do Congresso, e, por isso, a investigação mais recente é simplesmente um exercício político projectado para colocar o Partido Republicano numa posição fraca antes das eleições legislativas de 2022.

A investigação

A investigação foi aprovada pelos democratas que defenderam a criação de uma comissão independente como a que investigou os atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001.

Os republicanos, no entanto, bloquearam a iniciativa no Senado, tendo a presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, avançado com a investigação.

Ela nomeou os nove membros do comité seleccionado na Câmara, incluindo dois críticos republicanos de Trump, Liz Cheney e Adam Kinzinger, contra a objecção do líder republicano da Câmara Kevin McCarthy.

McCarthy nomeou cinco republicanos para o painel, mas Pelosi, como era sua prerrogativa, rejeitou dois partidários ferrenhos de Trump, Jim Jordan e Jim Banks, por considerá-los tendenciosos, tendo o líder republicano retirado as outras outras três nomeações.

Ao abrir a audiência, o presidente do painel, o representante Bennie Thompson, do Mississippi, disse que “algumas pessoas estão a tentar negar o que aconteceu”.

“Os desordeiros que tentaram nos roubar a democracia foram estimulados aqui por uma mentira", de que Trump viu roubado o seu segundo mandato presidencial.

Trump, até hoje, faz afirmações infundadas de que ele, e não Biden, foi o vencedor legítimo.

A filha do ex-vice-presidente dos Estados Unidos Dick Cheney e crítica de Trump, Liz Cheney, rejeitou a acusação de que a investigação era inútil.

“Se os responsáveis não forem responsabilizados”, disse ela no início da audiência, “e se o Congresso não agir com responsabilidade, isso continuará a ser um cancro na nossa república constitucional”.

Nas próximas semanas, o painel de investigação deve intimar várias testemunhas, entre eles Donald Trump, para depor sobre o que sabiam antes dos confrontos e como eles aconteceram.