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Resistência Anti-Microbiana


Nesta série de programas temos procurado mostrar como o arsenal terapêutico montado pelo homem contra as doenças infecciosas corre o risco de perder sua eficácia graças um mecanismo conhecido como resistência anti-microbiana.

ANA - Remédios de uma acção quase miraculosa, como a penicilina, entre outros, podem gradualmente vir a perder o seu potencial curativo contra um determinado tipo de bactéria. Muitos agentes causadores de doenças são minúsculos, só visíveis sob o microscópio, e certamente não são dotados da faculdade de pensar ou calcular. Como é que eles podem, então, ameaçar o formidável instrumento medicinal organizado pelo homem?

RENATO - Bem, Ana, como diz o ditado popular, tamanho não é documento... Os microorganismos, ainda que muito pequenos, constituem um adversário digno de respeito. Num estudo publicado por uma Universidade brasileira - a UNICAMP - de São Paulo, pode-se ler a seguinte frase: “Muitos germes são verdadeiras máquinas de sobreviver, tendo ocupado a terra milhões de anos antes dos seres humanos. Seu império contra-atacou”.

ANA - O perigo dessa situação é enorme, o que levou a Organização Mundial de Saúde a publicar, há umas três décadas, uma grave advertência, e, ao mesmo tempo, uma série de directrizes sobre como combater esse potencial calamidade.

RENATO - Antes de explicarmos como os especialistas concebem o que deve ser feito, vejamos como o homem comum imagina a solução para o problema. A pessoa não muito informada sobre a questão acha que a solução seria a indústria farmacêutica fabricar remédios mais potentes, capazes de liquidar com o mundo das bactérias.

ANA - Pois é, à primeira vista isso parece lógico. Se não se consegue derrubar o inimigo com um revólver de pequeno calibre, porque não usar um fuzil automático de maior poder destrutivo? Mas as coisas não são bem assim no combate às doenças. O arsenal terapêutico de que dispomos apresenta instrumentos bastante vigorosos. A questão, no entanto, não é de força, mas de pontaria.

RENATO - Isso mesmo, Ana. Tem que se apontar na direcção certa. Quando um remédio fracassa não quer dizer que tenha perdido força, o que perdeu foi especificidade. Ele tinha sido programado para atacar determinada bactéria, e, de repente, aquela bactéria não existe mais, desapareceu, ou assumiu outra forma, como um bandido que sabe usar mil disfarces.

ANA - E vejam só que coisa diabólica. O pequeno número de bactérias que consegue sobreviver ao ataque de um remédio anti-infeccioso troca informações genéticas com outros micróbios por meio da acção de agentes moleculares conhecidos como plasmídeos, e que são capazes de auto-replicação.

RENATO - É fácil de compreender, portanto, que não adianta a indústria farmacêutica tentar construir um superarsenal terapêutico. O que importa é investigar porque as bactérias se tornam resistentes, e o quê fazer para impedir que isso aconteça.

ANA - A resistência antimicrobiana, (ou AMR, em inglês) é a perda de sensibilidade de um microorganismo a um medicamento antimicrobiano ao qual inicialmente era susceptível. Isso se explica por uma mudança genética permanente no microrganismo, que é transmitida a outros seres iguais a ele. Essa mudança tem o nome de “mutação” na linguagem científica.

RENATO - A mutação pode ser devida ao acaso, ou à influência de agentes químicos ou físicos, e não está necessariamente ligada ao uso de antimicrobianos. Assim mesmo, os antimicrobianos, ou especificamente os antibióticos, têm um papel importante no processo, pois através de um mecanismo de selecção natural, eliminam as estirpes sensíveis e não afectam as outras, imunes ao seu efeito, e que se multiplicam rapidamente.

ANA - As bactérias são organismos unicelulares que, em comparação com formas mais elevadas de vida, têm um número pequeno de genes. Portanto, uma simples mutação acontecida por acaso pode afectar sua capacidade de causar doenças.

RENATO - Além disso, uma vez que a maioria dos micróbios se reproduz através de um processo de divisão que tem lugar a cada duas ou três horas, a multiplicação é enorme. Uma mutação que ajuda um microrganismo a sobreviver à acção de um antibiótico pode se tornar rapidamente predominante em toda a população microbiana.

ANA - A Organização Mundial de Saúde destacou, no seu manual de directrizes, que o mau uso dos antimicrobianos é um dos principais factores no crescimento da resistência antimicrobiana. No ano passado, a entidade organizou um simpósio sobre o “o uso irracional de medicamentos” no qual foram revelados dados impressionantes.

RENATO - Os especialistas presentes ao encontro informaram, por exemplo, que em todo o mundo mais de 50 por cento dos medicamentos são receitados, distribuídos ou vendidos de forma inadequada, e 50 por cento dos pacientes os tomam incorrectamente.

ANA - Existe uma resistência da ordem de 70 a 90 por cento aos antibióticos originais ditos “de primeira linha”, no caso do tratamento da disenteria, pneumonia, gonorreia e infecções hospitalares. “O uso irracional de medicamentos é um problema de saúde pública muito grave”, advertiu a doutora Kathleen Holloway, da OMS.

RENATO - Há factores que complicam a situação, como a falsificação dos remédios ou a automedicação, mais frequente no mundo em desenvolvimento, onde a regulamentação é menos severa. Não se pense, porém, que é somente na selva de regiões remotas que o indivíduo se vê desprotegido contra a acção dos micróbios.

ANA - De fato, Renato, nos países industrializados entre quatro e 10 por cento dos pacientes hospitalizados adquirem infecções que não tinham no momento de serem internados. Esta á sexta causa de morte nos Estados Unidos e onera os cofres públicos neste país em 130 biliões de dólares por ano.

RENATO - O Centro para Controle e Prevenção de Doenças, órgão federal americano, divulgou uma série de recomendações para que o indivíduo comum possa ajudar no combate à resistência antimicrobiana, e vamos reproduzir algumas delas.

ANA - Por exemplo, os pais não devem pedir que o médico receite antibióticos para seus filhos, se não forem necessários. Segundo um estudo, os médicos receitam antibióticos 65 por cento mais vezes se sentem que estão sendo pressionados pelos pais da criança doente.

RENATO - Outro conselho: tome o remédio exactamente como o médico ou o farmacêutico mandou. Não interrompa o tratamento, mesmo que os sintomas tenham desaparecido. Não tome medicamento que foi receitado para outra pessoa. Não guarde restos de medicamento para serem usados em outra ocasião.

ANA - A Organização Mundial de Saúde alerta que o problema da resistência antimicrobiana é tão sério que corremos o risco de voltar à era anterior aos antibióticos, quando um número muito maior de crianças morria de doenças infecciosas, e as operações cirúrgicas de grande porte eram problemáticas devido ao perigo de infecções.

RENATO - Especialistas admitem que não se pode esperar acabar de todo com a resistência antimicrobiana, mas através de uma acção coordenada em nível mundial será possível tornar mais lenta a sua progressão.

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