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O GURN Dez Anos Depois


Fez esta quarta-feira dez anos que foi constituído o Governo de Unidade Nacional, GURN resultado dos acordos de Lusaka assinados pelo Governo e pela UNITA, na capital zambiana, em Novembro 1994.

A sua constituição foi postergada durante anos, em parte porque Jonas Savimbi se recusava a enviar para Luanda os seus representantes. Numa reunião com Nelson Mandela, realizada a 8 de Janeiro, em Umtata, na África do Sul, Savimbi disse que gostaria que a ida dos seus homens para Luanda fosse precedida de uma discussão sobre o seu futuro estatuto.

Aguardados em Luanda a 16 de Janeiro, os membros da UNITA acabaram por não aparecer, tendo por força disso sido cancelado o empossamento do governo previsto para 25 de Janeiro. Após várias consultas que levaram a Luanda Thabo Mbeki, ao tempo vice-presidente da África do Sul, os representantes da UNITA foram despachados para a capital tendo o governo tomado posse a 11 de Abril de 1997, perante a presença do então secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan.

A sua composição inicial tinha membros do MPLA, partido no poder, da UNITA, bem como do PRS, PLD, PDP-ANA, PRD e do PAJOCA.

Ao fim de 10 anos de vigência, as discussões à volta do GURN acabam por resultar em alguma discórdia, porém distinta daquela que, há 10 anos separava Jonas Savimbi e o governo de Angola. Quase todos acreditam em como a ideia negociada até ao último detalhe em Lusaka foi boa, valeu para a ocasião, mas hoje já se questiona a vigência do mesmo governo.

David Mendes, Ministro do Urbanismo e Ambiente na composição original do GURN, admite que as expectativas que tinha quando chegou ao governo não eram as mesmas com que saiu. Saiu defraudado sobretudo sobre como se gere o bem público. Ainda assim, a maior preocupação está na validade do GURN enquanto instituição. Entrevistado pela Voz da América, o principal rosto da ONG, Mãos Livres, retomou a posição do líder do seu partido, Alexandre Sebastião, relativa a uma contradição que envolve a legitimidade das principais instituições angolanas .

“O GURN deixou de ter razões de existir, particularmente agora que nos encaminhamos para um período eleitoral, e em que cada partido vai procurar levar o seu programa ao eleitorado e com todos contra todos; Não há como sustentar um governo de unidade nacional quando há uma campanha política que vai fazer do governo alvo de campanhas vindas de todos os quadrantes. Por outro lado o GURN também perdeu substância por não ter correspondido à expectativa.”.

Isaac dos Anjos ministro da Agricultura até à constituição do GURN, e actualmente deputado pelo MPLA, não tem problemas em relação à realização de eleições, mas rejeita todas as sugestões a favor de uma destituição antecipada do GURN.

“A exigência de destituição do governo não faz sentido. Abriríamos uma vacatura e o país entraria num estado de fragilidade maior do que aquela que tem hoje tendo o GURN. Por outro lado podemos considerar de um modo geral que o esforço de manutenção do GURN é um exemplo dignificante para a perspectiva de unidade e de reconciliação nacional”.

Isaac dos Anjos não só acredita em que como o GURN deve continuar até as eleições, como acha também que a sua criação tem sido justificada pelo trabalho que faz.

“O GURN é um esforço extraordinário de reconciliação nacional, pois algumas concertações tiveram que ser feitas a muito custo. Por outro lado, o esforço de reconstrução que se seguiu aos acordos de paz tem sido extraordinário e a resposta tem sido satisfatória. Temos que dizer também que os recursos do país eram diminutos. Houve uma grande expectativa em termos de apoios da comunidade internacional que não ocorreram. Não conseguiram realizar a conferência de doadores, não conseguiram realizar a conferência de investidores e o governo teve que partir para outras frentes em busca de financiamentos bilaterais e, hoje, as obras estão aí, a começar a aparecer”.

Fernando Macedo, professor universitário e presidente da AJPD diz que o GURN enferma de outro problema maior i incontornável: a sua caducidade.

“Penso que o GURN foi um arranjo no decurso de um processo de transição para a democracia, ainda em curso, mas que em bom rigor padece já do vício de ser um governo longo, e à falta de eleições implica que ele se prolongue no tempo sem legitimidade democrática”.

Por sua vez Vitorino Hossi, ministro do Comércio indicado pela UNITA acredita que o GURN deixou boas sementes para o futuro sobretudo no que toca à convivência e a coabitação.

“O que eu retenho da minha passagem pelo GURN, em primeiro lugar, foi a boa intenção de criarmos um governo de unidade e de reconciliação nacional, que servisse de esteio para aquilo que era o desejo de todos os angolanos, que servisse de exemplo de reconciliação e que fizesse com que as populações todas se sentissem de verdadeiramente representadas num todo. Houve muitas insuficiências, mas a intenção não só estava lá, como permanece ainda hoje”.

A experiência da passagem pelo governo deu a este jurista a oportunidade de servir uma instituição liderada por outro partido que não o seu. Aí também Vitorino Hossi diz que se deu bem. Não tem memória de bloqueios, argumento frequentemente levantado por ministros indicados por outros partidos.

“Tive oportunidade de mostrar um trabalho que era necessário fazer. Identifiquei eu mesmo o que era prioritário e, independentemente da situação em que vivíamos, tive poderes e autoridade para exercer o meu mandato sem limitações. Creio que foi bom ter dado o contributo que dei à reconciliação nacional. Pessoalmente, acho que foi interessante, foi uma experiência bonita e única, conheci mais gente, tanto da UNITA como do MPLA, por conseguinte foi uma experiência gratificante”.

A passagem discreta do décimo aniversário do GURN expõe às autoridades à velha observação de que não sabe fazer relações públicas. Observadores ouvidos pela Voz da América notam que este déficit teria ditos custos no período que se seguiu às eleições. “O governo nunca explorou convenientemente o facto de ter subvencionado anos a fio o combustível usado pela missão da ONU em Angola”.

De acordo com um observador, desta vez “o MPLA deixou passar mais uma oportunidade de mostrar à comunidade internacional os aspectos bons deste processo de reconciliação, ou seja, a ausência de guerra, a vigência de um governo de unidade nacional. É um processo que, nalguns aspectos, “pode ser tomado como um modelo de resolução de conflitos em África”.

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