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Constituição Angolana Potencia Conflitos Institucionais


A circunstância do Presidente da República e da maioria parlamentar pertencerem a um mesmo partido tem poupado Angola de um teste à estabilidade das suas instituições no pós-guerra. Num cenário em que o presidente da República seja do partido A e o governo seja formado pelo partido B, a primeira questão a saber é quem será o chefe do Governo. O Presidente da República ou o primeiro-ministro? A “Voz da América” colocou esta questão ao jurista Raul Araújo professor de Direito Constitucional e membro da Comissão Nacional Eleitoral. Este admite que a situação não é clara: “A nossa constituição é um bocado omissa neste aspecto, mesmo apesar de várias intervenções existentes e da interpretação até do Tribunal Supremo. Do ponto de vista institucional, está perfeitamente claro que o Presidente define a orientação política do país. É o que diz a Constituição. A interpretação que se dá a este artigo, o artigo 56, número 2, é que esta orientação política do país quer dizer que, em última instância, quem define as políticas governativas é o chefe de Estado, neste caso o PR, competindo ao primeiro-ministro, de acordo com a nossa constituição, dirigir e orientar a acção do governo e dos ministros. Há aí uma zona cinzenta que, de facto, nunca se conseguiu esclarecer muito bem até porque, ao longo destes anos, o partido maioritário é o partido do PR e, portanto, nunca houve grandes dificuldades neste aspecto”.

Angola não é um caso isolado no mundo. Em França, cuja constituição inspirou os que trabalharam no documento actualmente em vigor em Angola, cenários desta natureza são muitos comuns. Presidente da esquerda, chefe do governo da direita ou vice-versa. Os angolanos terão que provar, tal como outros, que estão preparados: “Esta é uma situação para a qual devemos estar preparados, e estou convencido que vai haver algumas dificuldades, alguns conflitos. Daí , eu e alguns colegas, termos defendido que, face à experiência de vários anos se deveria ter refeito a constituição. Infelizmente, não foi possível e nós vamos para novas eleições presidenciais e legislativas com a constituição de 1992, com esta situação que potencia conflitos institucionais”.

No caso de Angola, um dos problemas decorrentes de um cenário destes seria de saber se o primeiro-ministro teria poderes e os instrumentos para influenciar a acção do governo: “Eu vou dizer-lhe aquilo que disse o professor Maurice Duverger quando fez o estudo da constituição francesa e o nosso modelo é, de certo forma, copiado do modelo francês, com algumas situações diferenciadas. Maurice Duverger dizia o seguinte: Em situações em que o presidente da República é do mesmo partido que a maioria parlamentar, o primeiro-ministro funciona como chefe do estado-maior do presidente. E aqui acontece exactamente a mesma coisa. Esta tem sido a experiência francesa e até de alguns países africanos de língua portuguesa como São Tomé e Príncipe e a Guiné-Bissau . Em situações como esta é muito difícil o primeiro-ministro ter autonomia funcional, pois aí funcionam não apenas os jogos legais, mas também os jogos dos partidos políticos. Os nossos Estados são Estados de partidos e, em regra, os partidos políticos não têm interesse em que haja conflitos E sendo o presidente da República do mesmo partido que o chefe do governo este, em princípio, subordina-se partidariamente ao presidente, acabando por assumir uma posição de subordinação em relação ao chefe de estado”.

Na ausência de um entendimento, os choques seriam, porventura, inevitáveis pelo que o professor Raul Araújo entende que Angola deveria seguir outro caminho. Diz ele: “Tenho estudado um bocado a experiência de alguns países e estas experiências têm mostrado que, no nosso continente e não só - e refiro-me outra vez à França- quando há situações de coabitação política a convivência governativa é muito complexa. Alguns autores dizem mesmo que aí os poderes presidenciais funcionam como um elástico: quando o presidente é do mesmo partido que o da maioria parlamentar , portanto do governo, neste o caso o elástico estica, os poderes presidenciais aumentam; quando o chefe do Estado é de um partido diferente do partido do chefe do governo, o elástico encolhe. Logo, os poderes do presidente diminuem. A experiência tem demonstrado que aí tem que haver uma habilidade muito grande entre o presidente e o primeiro-ministro no sentido de conseguirem uma convivência pacífica, respeitando princípios de solidariedade institucional, de funcionalidade, etc. Nós temos que nos sentar e discutir bem as soluções e ver qual o modelo que pode potenciar menores conflitos, porque, qualquer um deles, tem aspectos positivos e aspectos negativos”.

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