O Egipto antigo desempenhou um papel preponderante, mas indirecto, desde o inicio, nas relações culturais entre as regiões nilo-saharianas na grande bacia interfluvial centro-norte-africana onde se processaram grandes trocas durante os séculos do povoamento do Continente pelos Africanos.
Tomé Mbuia-João: A África Sudânica na História do Continente Africano
Estivemos a dizer numa das conversas que as terras interfluviais, ao sul e sudoeste imediato do Egipto, constituíam zonas de curiosidade - e não só - mas também de interesse material para os próprios Egipcios. Exemplos não faltam para ilustrar a afirmação. Veio-nos à ponta da língua uma vez, naquela conversa, a historieta interessante e real do tal pigmeu dançante do Faraó Pepi, capturado numa expedição de um certo Harkhuf, enviado do Faraó para as terras do sul, as terras que os Egípcios chamavam dos negros, sem insinuar géneros de opiniões como as que sustentam os africanistas em debates de egiptologia.
O Vale do Nilo, mais do que noutras terras a oeste ou sudoeste daqui, terá sido onde o Egipto terá mais indiscutivelmente os traços da sua passagem. Mas mesmo aqui, no Vale do Nilo, a colonização egípcia tinha sido mais de interesse material, do que propriamente de ocupação territorial, senão na medida em que a defesa dos seus mercados impusesse defesa contra vizinhos mais poderosos, ou potências rivais estrangeiras ou sulistas, locais, Assírios, Persas, no primeiro caso – Meroitas no segundo - as guerras do Egipto, tal como vimos em conversas passadas.
Até aqui estaríamos muito bem, se o conhecido académico e egiptólogo senegalês, Cheik Anta Diop, e o seu discipulo, Teófilo Obenga (brazzavilense) não aparecessem a insistir nesta citação, igualmente famosa, que ...”a antiguidade egípcia está para a cultura africana como a antiguidade greco-romana está para a cultural ocidental, citação literal, ”quaestio disputata”, matéria em disputa, esta que estende a influência cultural do Egipto, indistintamente ao todo o Continente, respondem os outros académicos, e não são poucos.
As influências culturais do Egipto para o resto do Continente terão sido indirectas, como que filtradas através da Núbia, muito certamente através de que Méroe teria servido neste processo como ponta de lança, como dissemos e estamos a dizer, no compasso nilo-sudánico, sem prejuízo à tese do académico Senegal. Leiam Anta Diop os ouvintes que puderem. Um encorajamento propositado. Diop tem um pouco de tudo para todos, ora uma ingenuidade intelectual simplista, mas de repente uma pesquisa dura e irrefutável talvez, também ligeiramente sarcástico- por vezes picante - estilo gálico da Sorbonne, sem ofender na intenção a acompanharem os seus escritos que muitas vezes deixam os adversários na defensiva, sem contrapontos senão o recurso a teorias autonomistas de interpretação cultural (também em voga) que tendem a reafirmar as chamadas iniciativas culturais autóctones, contra influências de fora : egípcias ou outras.
Um debate que fertiliza especulações. Um certame que não terá solução imediata sem uma abundância equivalente de fontes, não apenas orais, arqueológicas, linguisticas, mas também escritas sempre à mingua. Mas meia-volta aqui ... vamos à frente. O nosso arrimo a Núbia também o nosso ponto de partida, não o Egipto em equação cultural directa a Núbia, que sabemos que foi uma cultura altamente criativa, em contacto directo e imediato com as zonas nilo-saharianas, mais do que jamais o Egipto o terá sido.
Não nos faltam documentos escritos na Núbia, na sua versão meroítica. Diz uma história que no segundo século AC, vinte e três letras da escrita egípcia se converteram em alfabeto meroítico, que os Meroítas usaram para escreverem a sua língua, que os epigrafistas de hoje só começaram a decifrar. Não é uma lenda. Confissão da verdade. Os entendidos ainda não sabem decifrar no original as criações das culturas que nos legou o passado pelo mundo. Algumas delas se encontram na Núbia nilo-sahariana.
Que mais fica para dizer? Muito mais. A cultura material e o legado espiritual da Núbia Meroítica, na história nilo-sahariana, a civilização fluvial - que dizíamos, se recordam - norte-centro africana, e como passou para o resto do Continente.