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“NÃO SE PODE FALAR DE MANDATOS SEM ELEIÇÕES” 


CARLOS FEIJó À Voz da América

“NÃO SE PODE FALAR DE MANDATOS SEM ELEIÇÕES”
Qualquer que venha a ser a decisão do Tribunal Supremo sobre a segunda volta das eleições de 1992, e sobre a Lei Eleitoral, questões para as quais o Presidente José Eduardo solicitou pareceres, uma coisa parece certa....ambos os dossiers caminham para uma discussão exaustiva, que só acabará quando se conhecer o acórdão do Supremo, investido nas funções de Tribunal Constitucional.

A Voz da América juntou ao debate o jurista Carlos Feijó uma das principais autoridades em Angola em matéria de direito publico. Carlos Feijó sustenta o seu pensamento num pressuposto: normalidade constitucional. Segundo o jurista angolano este pressuposto tem o mérito de colocar num mesmo cesto três grandes questões, a saber : a Lei Eleitoral, o mandato do Presidente , e o pedido de fiscalização prévia da constitucionalidade da lei eleitoral.

Falando de um ponto de vista estritamente académico a partir da “John F. Kennedy School of Government” da Universidade de Harvard, Massachussetes, EUA, onde participa num programa avançado para executivos dedicado a infra-estruturas, parcerias público-privadas e economia de mercado, Carlos Feijó inicia o seu raciocínio “regressando” ao período de 91/92 altura em que foi cozinhada a constituição actualmente em vigor. Fá-lo porque entende que dai decorrerá uma melhor interpretação de questões como mandatos do PR, novas eleições e a realização, ou não, da segunda volta de 1992.

“O primeiro ponto a ter em conta é que a actual constituição é uma constituição provisória, e em relação a isso podemos fazer duas interpretações: uma que é temporal, e outra que tem a ver com um facto objectivo. Na minha perspectiva o carácter provisório não é só uma questão de tempo. É um facto objectivo que tem a ver também com a legitimação do poder político, e que não se esgota no acto eleitoral.”

Carlos Feijó adianta que por estarem ligados à temporalidade, os factos objectivos ajudam a explicar ou a desmistificar questões como os mandatos do PR, viabilidade de uma nova candidatura deste , ou como diz a oposição, cumprimento pelo PR do seu terceiro mandato”.

Dissecando cada um dos aspectos, Carlos Feijó diz que o tempo dos mandatos do PR não pode ser analisado quer fora da actual constituição em si, quer fora da natureza do carácter provisório da própria constituição. Nota a este propósito a existência de duas correntes no que toca ao mandato do PR: “uma , formalista, e outra material."

Em relação à primeira pode dizer-se que a constituição de 91 é uma continuidade do exercício do poder que vem de 1979; tratou-se de uma mera revisão constitucional, isto é, não se atacou a identidade da constituição, portanto não estamos perante uma nova República, logo o próprio mandato do PR contaria a partir de 1979 a esta parte. Por outras palavras, não houve nenhuma ruptura constitucional em 1992, e que para efeitos de contabilização do mandato presidencial aquele período de tempo também é tido em conta. Pessoalmente não sigo esta tese”.

Carlos Feijó entende que a partir de 91/92, houve uma ruptura constitucional, logo o período que vai de 1975 a 1992 não é contabilizável para efeitos de mandato.

“Estamos perante uma nova República, uma nova organização do poder político, estamos perante novos modos de legitimação do poder político. Há uma constituição, um novo regime político. E é aqui que esta questão se liga à natureza provisória desta constituição”.

Carlos Feijó alerta a este respeito que o cerne da alteração constitucional observada em 91/92 perseguia um facto objectivo que era a necessidade da legitimação dos órgãos políticos. “Realizavam-se as eleições legislativas e presidenciais, legitimava-se o poder político e aí se retomaria a normalidade constitucional. Ora, o que nós observamos é que o facto objectivo, isto é, a legitimação dos órgãos do poder político perdura até hoje. Explico-me melhor...não se tendo concluído as eleições presidenciais não se pode falar da legitimação dos órgãos do poder político”.

Esta perspectiva de Carlos Feijó colide com a tese da oposição segundo a qual ao dar por encerrado o processo iniciado em 1992, o parlamento , de que o MPLA detém a maioria acabou também por legitimar o exercício de poder por parte do presidente José Eduardo dos Santos . Carlos Feijó vê outras nuances nesta equação.

“Para mim a resolução do parlamento apenas reconhece a validade do facto objectivo, mas não se pode dizer que o facto objectivo, isto é, a normalização da constitucionalidade tenha ficado resolvida. Isto só acontecerá a partir do momento em que as próximas eleições tenham lugar e os órgãos dela saídos sejam legitimados política e juridicamente.”

Posto isto Carlos Feijó acrescenta que os factos objectivos que impediram a realização de eleições e que não tornaram definitiva a constituição, resultaram juridicamente na suspensão das normas da própria constituição que tratam dos mandatos. “Neste caso falamos tanto de mandatos do Presidente bem como de mandatos dos deputados”.

A tudo isto Carlos Feijó acrescenta que a razão de ser de uma norma sobre mandatos nos sistemas democráticos são os “checks and balances”- sistema compreensivo de controlo e fiscalização do sector público -, a não perpetuidade do poder, e a alternância que é um elemento da própria normalidade constitucional.

“No fundo a questão que se coloca é esta: O pressuposto normativo de uma norma sobre mandatos, é que, por exemplo, o Presidente no fim de cada mandato se submeta a um processo eleitoral. Esta é a questão essencial. A materialidade desta norma significa que passados cinco anos o Presidente se submeta a votos, depois de mais 5 anos submete novamente a votos e que para um terceiro mandato se submeta também a votos. Se este pressuposto não for concretizado não se pode fazer a soma de vários mandatos. Na verdade, nem sequer faz sentido em falar em mandato presidencial, mas sim em duração de exercício do cargo.”

“Para se falar em mandatos, ao fim de 5 anos teria que haver eleições, e o presidente teria que submeter-se a novo voto popular. O elemento normativo essencial aqui é a realização de eleições periódicas. Logo, não se realizando eleições periódicas este pressuposto não existe e a norma não é aplicável nesse caso concreto.”

Questionado sobre a questão das eleições de 1992, assunto que até hora em que a Voz da América pôs a matéria no ar aguardava pronunciamento do TS Carlos Feijó diz o seguinte. “A resolução da Assembleia a que tive acesso aqui, vem resolver o problema político (sublinhe-se, no plano político) na medida em que a situação alterou-se de tal maneira que nem sequer faz sentido em falar da segunda volta das eleições presidenciais de 1992.” “No entanto, no plano jurídico, o problema reclama um tratamento mais aprofundado.”

Perante tudo isto Carlos Feijó espera que o Tribunal Supremo enquanto Tribunal Constitucional - cujas “decisões são o exemplo mais acabado da jurisprudência como fonte de direito”- venha a reconhecer que os pressupostos normativos da norma de limitação de mandatos não se encontram preenchidos. Isto é: os pressupostos normativos de tal norma reclamam uma situação de normalidade constitucional que não existe nesse momento em Angola. “Não tendo havido eleições depois de cinco anos, nem tendo havido eleições cinco anos mais tarde, não se pode sequer falar de mandatos. No regime democrático a ratio essendi da norma, isto é, a razão de ser da norma é justamente esta: que de cinco em cinco anos o Presidente da Republica se submeta ao sufrágio. Por outro lado, também tenho a esperança de que o Tribunal Supremo reconheça que a normalidade constitucional só se adquirirá a partir do momento em que sejam realizadas novas eleições e os órgãos resultantes delas tomem legitimamente posse tal como prevê a nossa Constituição. Por fim diria que quer as normas sobre mandatos do Presidente, quer as eleições legislativas são normas que se consideram como que inaplicáveis, suspensas se quisermos, por este facto objectivo que fundamenta a excepcionalidade da situação.”

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