Analistas políticos moçambicanos consideram que o ritmo crescente de ataques terroristas, que está a provocar uma nova vaga de deslocados, pode limitar o recenseamento eleitoral e refletir-se na redução do número de mandatos da província de Cabo Delgado na Assembleia de República (AR).
A nova vaga de ataques provocou a fuga de 58.116 deslocados em pouco mais de duas semanas,segundo um novo balanço divulgado nesta terça-feira, 27, pela Organização Internacional das Migrações (OIM), enquanto o Govermo aponta para 67.321 deslocados.
A população em movimento pode ficar sem oportunidade de se recensear no processo que arranca a 14 de março ou não participar, “uma vez estar mais preocupada com a sua segurança”, avisa Dércio Alfazema, diretor de programas do Instituto para a Democracia Multipartidária (IMD).
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“Se o ritmo do terrorismo se mantiver nesta tendência crescente, então há toda uma necessidade de se tomarem medidas urgentes para evitar que a população participe nestas eleições neste contexto de medo e limitação”, frisa Alfazema, em declarações à Voz da América.
Para o analista político, os partidos e os órgãos eleitorais teriam, igualmente, dificuldades de alocar pessoal e material para zonas com focos ativos de terrorismo, o que também limitaria o recenseamento, tornando-se num “cocktail perfeito” para baixar as inscrições com implicações no número de deputados.
Cabo Delgado elegeu nas últimas eleições 23 deputados.
Veja Também Moçambique não tem dinheiro para responder à crise de Cabo Delgado, diz PM“Se esses ataques subirem de intensidade, como parece estar a acontecer, poderão até prejudicar politicamente a província de Cabo Delgado e inviabilizar ou limitar o exercício do direito eleitoral em algumas regiões ou locais da província, quer dos votantes e dos partidos concorrentes”, afiança diretor de programas do IMD.
Entretanto, Dércio Alfazema observa que uma suposta pretensão do presidente moçambicano - de declarar o estado de emergência devido ao aumento de violência em Cabo Delgado -, pode gerar um aproveitamento político para inviabilizar as eleições, apesar do risco ser menor.
“Há um risco de aproveitamento político da situação e tomar decisões contrárias à tendência da implementação da Constituição para limitar o exercício de determinados direitos. Esperamos que os políticos ou governantes não venham a fazer uso desta situação de insurgência para aproveitamento político”, afirma Dércio Alfazema, insistindo que a situação de segurança já esteve pior quando os grupos armados tomaram várias sedes distritais, sem, contudo, o governo recorrer a esta prerrogativa.
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Entretanto, em Maputo hoje, 27, no final da reunião do Conselho de Ministros, o porta-voz do órgão e vice-ministro da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, Filimão Suaze, assegurou que a declaração de estado de emergência "não se coloca".
Já o professor universitário e antigo deputado do MDM, Sande Carmona, alerta que o risco de aproveitamento político é crescente ao ritmo dos ataques para inviabilizar as eleições gerais e assim, perpetuar na direção do país o atual Governo.
“Numa altura em há a pretensão de se declarar o estado de sítio em Cabo Delgado, há também o risco de aproveitamento político com alegações de que não há condições de realizar eleições em todo o território nacional por causa da guerra”, adverta Sande Carmona, para quem “este seria um pensamento muito baixo”.
Investir nas forças de Defesa e Segurança
Por sua vez, o analista político, Fernando Nhambire, considera ser preciso controlar a escalada de violência armada para que a província seja incluída efetivamente no processo democrático, nestas eleições gerais marcadas para 9 de outubro.
Ele insiste ser necessário investir mais nas Forças de Defesa e Segurança, para reforçar a sua posição tática e de resposta no surgimento de movimentos terroristas em Cabo Delgado ou noutro ponto de Moçambique.
“É preciso ter uma resposta rápida e urgente para que essa tentativa de prosseguir com ações terroristas caia por terra e a médio e longo prazo a sustentabilidade passe por ter capacidade interna de respostas a este tipo de ameaça", vinca Nhambire.
Novas fugas
Os ataques de grupos terroristas gravitam desde a primeira quinzena de Janeiro nos distritos mais a sul de Cabo Delgado, tendo já atingido Quissanga, Metuge, Ancuabe, Mecufe e Chiure, este último mais devastado com a nova escalada.
O Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, justificou na passada semana a escalada de violência nos distritos a sul de Cabo Delgado, como uma tentativa dos grupos rebeldes recrutarem jovens e crianças para as suas fileiras.