"Eu já perdi duas crianças, uma vez estava grávida de quatro meses, aquilo era muita tortura que acabei por perder a criança, na outra ocasião também estava gestada e foi dentro do tribunal, depois de presa, em Angola a violência policial sobre manifestantes é terrível", conta a ativista Rosa Conde, uma das integrantes do chamado grupo dos 15+2, que em 2015 protagonizou um dos episódios mais marcantes da luta dos ativistas angolanos.
Ela reagia assim ao lançamento na quarta-feira, 27, em Luanda, do relatório "Promessas quebradas: Manifestantes entre gás lacrimogéneo, balas e bastões em Angola" da Amnistia Internacional (AI).
Aquela organização analisa 11 manifestações que tiveram lugar em Angola entre 2020 e 2023 e que custaram a vida a 17 pessoas devido à atuação policial, além de várias pessoas feridas e presas.
Carlos Quembo, investigador ao serviço da AI, lembra que "aqui não trazemos o que se passou em Cafunfo, provavelmente os números que trazemos no relatório podem ser inferiores à realidade".
Quembo acrescenta que o relatório realça igualmente "inúmeras crianças que ficaram órfãs, pessoas que ficaram com sequelas até hoje, vítimas da atuação excessiva das forças policiais angolanas".
O advogado de algumas vítimas de violência policial Tchipilica Eduardo diz existir muita interferência do poder político nos atos praticados pela polícia e a maioria dos processos não tem andamento.
"A continuar esta interferência poderemos ter um Estado de anarquia onde cada um faz o que quer, caso as autoridades não exerçam o seu verdadeiro papel", adverte Eduardo.
A Voz da América tentou ouvir o ministro da Justiça e dos Direitos humanos, Marcy Lopes, o porta-voz da Procuradoria Geral da República e do Serviço de Investigação Criminal, mas não houve qualquer reação.
Investigação e consequências, diz Polícia Nacional
Entretanto, o porta-voz da Polícia Nacional disse à Voz da América que "quando um polícia comete excessos na atuação, ele é punido em função da natureza da infração, se for disciplinar ele é sancionado disciplinarmente se for criminal também é punido como tal".
Mateus Rodrigues explicou que, antes, "abre-se um inquérito e se for provado que um agente não observou os procedimentos de atuação, ele é sancionado nos termos da lei", mas, quanto à frequência dos casos, "é relativamente baixa para não dizer muito baixa em relação ao número de efetivos e ao número de atuação policial, mas os casos que resultam em mortes e que têm um impacto muito grande merecem uma atenção especial".
Denúncias em saco roto
As consequências dessas denúncias parecem "cair em saco roto" na leitura do coordenador da associação cívica MUDEI porque "existe um protecionismo exacerbado por parte dos prevaricadores, ou seja quem devia punir é quem comete crimes".
"Continuamos no terreno a ver pessoas a serem presas com bebé ao colo, pessoas a irem para a escola a serem atingidas por balas perdidas e a culpa as vezes é da bala", afirma Luaty Beirão, para quem "não vale a pena pensarmos que a solução vem de fora, temos que ser nós a resolver, os angolanos, não temos que estar à espera que Biden venha, nós podemos dizer não vem, podemos boicotar mas não dizer ajude-nos, porque nós sabemos que estes governos movem-se por interesses, fecham os olhos às violações aqui".
O relatório da AI traz alguns exemplos de pessoas mortas, como Inocêncio Matos, Adão André e Luís Lourenço, entre outros.
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