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Miguel de Barros: "Assistimos ao esgotar de um sistema esvaziado" na Guiné-Bissau


Miguel de Barros, sociólogo
Miguel de Barros, sociólogo

“Não se percebe se é o falhanço da democracia que leva ao falhanço do desenvolvimento ou se é o falhanço do desenvolvimento que leva ao falhanço da democracia”, afirma o sociológo Miguel de Barros no programa Agenda Africana, da VOA.

Numa análise à situação política do país e suas raízes, aquele estudioso da realidade guineense é peremtório em afirmar que “assistimos ao esgotar de um sistema completamente esvaziado, quer do ponto de vista de fundamentos, quer do ponto de vista da capacidade dos protagonistas, que está aquém do próprio nivel da emancipação social”.

Para Barros, existe uma confusão entre a pobreza social e económica com a pobreza da proposta e da capacidade de ação política”

“A pobreza, do ponto de vista da política, quer em termos de estruturas dos atores e das suas propostas, que utiliza a pobreza para vender ilusões e comprar aliados”, enforma “esta dinâmica de democracia comercial que tem posto em causa as possiblidades de construção democrática”.

Miguel de Barros aponta o período de 1974 a 1985 como o único de construção livre que, no entanto, foi posterioriemente capturado.

“Do que temos assistido, no contexto político da Guiné-Bissau, sobretudo no pós-conflito 1998/99, há quatro ingredientes fundamentais”, que têm marcado o país.

“Força, aspeto financeiro, o elemento geoestratégico de mobilização de atores e de aliados com interesses na Guiné-Bissau e agora as questões identitárias” têm colocado em causa a estrutura democrática e os esforços da emancipação “que se têm encontrado ao nível local, independentemente da fraqueza do Estado”.

Da luta de libertação ao falhanço dos políticos

Quanto à teoria de que as crises na Guiné-Bissau têm origem na luta armada, em problemas não resolvidos ou feridas não curadas, aquele investigador lembra que “a maior parte dos partidos políticos tem pouca memória do que foi a luta de libertação nacional, aliás, um único partido tem um protagonsita, um combatente da liberdade da pátria”.

Além disso, o país tem “um eleitorado composto em mais de 70 por cento por jovens dos 18 aos 35 anos, que não têm essa memória também”.

Miguel de Barros
Miguel de Barros

Como terceiro elemento, Barros acrescenta que os programas dos partidos políticos têm pouca vivacidade de menção “patriótica”.

Aquele sociólogo aponta, no entanto, outras causas como “a questão étnica, a questão do desenvolvimento e algum protagonismo na capacidade de construção da unidade nacional” e, neste quadro, destaca, “os atores políticos têm mais dificuldades na construção de uma visão social para mobilizar todas as franjas sociais para um ideia de unidade nacional”.

Não sendo a luta de libertação um elemento federador, Miguel de Barros destaca o principal calcanhar de Aquiles desse processo, que passou por “uma mobilização social ascendente de todos os grupos sociais dentro da estrutura de poder” e que, por isso, não se pode ter uma “teoria de vitimização porque todos os segmentos têm heróis e têm vândalos”.

A verdade, sustenta, “é que os diferentes protagonistas, em diferentes momentos em que tiveram acesso ao poder político, falharam no grande programa de transformação social, económica e política do país porque não se conseguiu atingir o projeto do desenvolvimento”.

Dinâmicas sociais na contramão da ausência do Estado

Entretanto, do ponto de vista sociológico, a Guiné-Bissau tem revelado várias dinâmicas que contornam a ausência do Estado.

Barros aponta, por exemplo, que as famílias conseguem mandar seus filhos estudar no exterior, embora não haja bolsas de estudo, a solidariedade social financia sistemas de saúde, construção de pontes e escolas, enquanto as políticas públicas ficam num “minimalismo institucional que perverte toda a lógica daquilo que advogam como processo da sua ação pública”.

Aquele analista alerta que “enquanto não se conseguir resgatar a autonomia da visão da reconstrução do processo de transformação e isso não se basear na capacidade das populações e das comunidades de formularem as suas propostas e a partir daí serem capazes de (decidirem) num processo coletivo sem violência, sem imposição, será muito dificil pensar como a Guiné-Bissau, num curto período de tempo, será capaz de superar todas essas fragilidades”.

Enquanto isso, “vamos continuar a ter discursos através de protagonistas e não através de projetos de governação com possiblidade de serem armas efetivas”.

Na Agenda Africana, Miguel de Barros também aponta caminhos para a próxima década na Guiné-Bissau.

Acompanhe aqui:

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