A expulsão do repórter britânico Tom Bowker de Moçambique é parte de uma repressão mais ampla ao jornalismo independente no país, em meio a um conflito sangrento que ameaça os planos do Governo de desenvolver depósitos de gás natural, dizem analistas.
Bowker, fundador e editor do portal Zitamar News, com foco em Moçambique, disse terça-feira, 16, no Twitter que as autoridades o expulsaram e o baniram do país por 10 anos.
A expulsão ocorre após as autoridades terem declarado que Zitamar não estava devidamente registado.
Mas analistas de imprensa - e Bowker - dizem acreditar que o Governo de Moçambique tenta com a medida abafar a reportagem do Zitamar sobre o conflito na região rica em gás de Cabo Delgado.
Fundado há seis anos, o Zitamar é considerado um dos principais meios de notícias em língua inglesa em Moçambique e tem feito extensas reportagens sobre os combates de Cabo Delgado, que eclodiram em 2017.
Bowker disse à VOA que foi expulso por ordem do Ministério do Interior depois do regulador de imprensa de Moçambique, o Gabinete de Informação (Gabinfo), divulgar um comunicado no qual revogou as suas credenciais a 29 de Janeiro.
Nessa declaração, o Gabinfo acusa Bowker de apresentar-se como correspondente de um meio de comunicação estrangeiro, enquanto era proprietário e geria o Zitamar a partir de Moçambique.
O site do Zitamar diz que é "escrito e editado em Maputo e Londres - com contribuições de uma rede de pesquisadores em Moçambique, EUA e Europa" e é publicado pela Zitamar Ltd., com sede em Londres.
Emilia Moiane, directora do Gabinfo, disse à VOA que não há evidências da existência internacional [de Zitamar].
Bowker afirma que tal justificativa é "ridícula" e que a declaração do Gabinfo incluía falsas alegações sobre a propriedade de uma empresa do Reino Unido.
Bowker acrescenta que o regulador de imprensa afirma que o site não é um órgão de notícias estrangeiro.
"Eles queriam uma prova do regulador de imprensa equivalente do Reino Unido porque Zitamar é regulamentado no Reino Unido", diz ele, acrescentando que "esse [tipo de regulador] não existe no Reino Unido."
Ele também afirma que as autoridades não o deixaram se explicar ou corrigir quaisquer problemas de registo.
Padrão de assédio
O jornalista acredita que a expulsão está ligada à cobertura do Zitamar em Cabo Delgado.
Moiane, directora do Gabinfo, não respondeu às perguntas da VOA sobre as tentativas de corrigir o registo do Zitamar e remeteu as outras perguntas ao Ministério do Interior.
O assistente do ministro do Interior não respondeu à chamada da VOA.
Borges Nhamire, investigador do Centro de Integridade Pública de Moçambique, disse que as leis do país restringem a imprensa estrangeira, mas que isso não deveria ter levado à expulsão de Bowker.
Para Borges, havendo alguns problemas com o registo do Zitamar, eles (Gabinfo) deveriam dizer a Tom Bowker o que fazer para legalizar, mas não expulsá-lo.
“Não acho que seja uma boa abordagem para um país civilizado”, sublinha
Nhamire diz que a expulsão de Bowker não pode ser vista como um "caso isolado", mas enquadra-se num padrão de restrições aos jornalistas que trabalham em Cabo Delgado.
Uma verdadeira repressão
Angela Quintal, coordenadora do programa para a África do Comité para a Proteção de Jornalistas, com sede em Nova Iorque, afirma que a expulsão de Bowker "envia uma mensagem assustadora" à imprensa em Moçambique.
“Jornalistas em Moçambique, especialmente aqueles que cobrem o conflito em Cabo Delgado, foram presos, assediados ou desapareceram”, lembra ela.
Por seu lado, Joseph Hanlon, pesquisador e jornalista sediado no Reino Unido, descreve as recentes acções contra a imprensa como "severas".
“Moçambique teve até agora uma imprensa muito livre com muito poucas restrições à imprensa e sob o presente governo há uma verdadeira repressão”, e isso está relacionado com a Guerra em Cabo Delgado.
Zitamar vai continuar
Bowker, que voou para a França com a sua família, diz que sua expulsão não afectará a produção de Zitamar por não haver razão para não continuar.
O Zitamar "é maior do que eu, maior do que eu e minha esposa. Há uma equipa em Maputo, e temos pessoas em Londres, Nova Iorque, Atenas e agora estaremos na França em breve."
“Resta saber se os jornalistas que escrevem para o Zitamar de Moçambique irão sofrer pressões quando as autoridades perceberem que me expulsar do país não prejudica o Zitamar", conclui o jornalista.