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Guiné-Bissau: 20 anos após o levantamento de 1998


País continua à espera da estabilização

Completaram-se nesta quinta-feira, 7 de Junho, 20 anos do início do conflito politico militar que opôs a então Junta Militar, liderada por Ansumane Mané, e o Presidente da República, Nino Vieira,

Para muitos guineenses, aquele dia ficou na história como um marco devastador do tecido infraestrutural, económico e social da Guiné-Bissau.

As sequelas políticas ainda se contam com consequências à vista de todos.

Afastamento brutal da elite social do exercício político e governamental, instabilidade quase que crónica, assassinatos políticos e militares, empobrecimento da estrutura empresarial, desequilíbrio e falta do poder de compra das famílias são algumas notas que se seguiram a um conflito que opôs os antigos camaradas de luta pela independência da Guiné e Cabo Verde.

O levantamento militar de então era tido pela maioria da população como um renovar de esperanças que motivou a adesão de muitos, na sua maioria, com o objectivo único de afastar Nino Viera, que estava há 18 anos no cargo.

Enterro de Ansumane Mane
Enterro de Ansumane Mane

Afonso Té, um dos altos oficiais militares, que esteve ao lado do Presidente Vieira e, na altura, vice-Chefe de Estado-Maior General das Forcas Armadas, lembra que os factores políticos foram as causas essenciais do levantamento militar.

“As Forças Armadas foram vítimas, pura e simplesmente, de uma disputa interna no PAIGC, agravada com a intervenção da oposição”, diz.

O coronel na reserva, que qualificou Malam Bacai Sanhá, então Presidente do Parlamento, e mais tarde Presidente da República, como o mestre de toda a “jogada”, sublinha que a questão geracional, levantada, na altura, dentro das Forças Armadas como uma das razões do conflito, era falsa.

Sobre este pormenor, ele é de opinião que Nino Viera foi vítima da intriga, vinda dos seus próprios camaradas de luta, associada aos interesses políticos dentro do PAIGC e da oposição guineense.

“Ele teve descuidos enormes porque nós avisámos. À medida que os sinais apareciam fomos produzindo informações sobre esses sinais. Mas, entretanto, eles conseguiram convencer-lhe que nós estávamos a meter-lhe em problemas e ele não escutava. Já havia uma predisposição para guerra, o PAIGC estava armado para desencadear esta guerra, só que não estava preparado para uma guerra civil, mas para um Golpe de Estado”, acrescenta Afonso Té.

Zamora Induta, porta-voz da Junta Militar de 1998
Zamora Induta, porta-voz da Junta Militar de 1998

Uma interpretação diferente sobre as motivações da guerra de 7 de Junho, tem o então porta-voz da Junta Militar, José Zamora Induta.

“Havia, de facto, um mal-estar dentro dos quartéis. Por exemplo, as primeiras leis sobre as Forças Armadas, nomeadamente o estatuto e a lei de base da organização das Forças Armadas, apareceram só depois de 7 de Junho”, explica.

Zamora Induta, actualmente contra-almirante, nega qualquer responsabilização da Junta face ao actual cenário de instabilidade e afirma sentir-se frustrado, mas não arrependido com a sua atitude.

“Não me sinto arrependido. Há sim frustração, relativamente ao que nos motivou pegar em armas. Quem governa não somos nós. Criamos as condições para que o povo pudesse escolher os seus governantes e estes governantes nos frustraram”, acrescenta Induta.

Muitas vozes defendiam, por isso, que a Junta Militar deveria assumir o poder, mas aquele militar sublinha que eles tinham de ser coerentes.

“Prometemos à população que não era nossa intenção assumir o poder e não o fizemos. Coerência é um valor para nós”, conclui o antigo porta-voz da Junta Militar.

Com Nino Vieira no exilio, Ansumane Mané foi morto, em 2002, pelos seus camaradas da Junta Militar, acusado de tentativa de Golpe de Estado contra o então Chefe de Estado, Koumba Yala, algo associado à sua iniciativa de retirar patente aos militares promovidos a generais.

“Junta Militar” e “Governamental”, como eram apelidadas as duas forças militares opostas, fizeram calar as armas, removeram as linhas de frente, mas a guerra pelas posições dentro das Forças Armadas nunca cessou, até a morte de Nino Vieira em 2009.

Há quem diga mesmo que este ressentimento ainda paira no seio dos militares guineenses.

Desde então o país assistiu, de forma sucessiva, a diferentes convulsões e conspirações políticas e militares, que resultaramem golpes de Estado, eo consequente afastamento físico de algumas proeminentes figuras do país.

“É uma avaliação negativa porque toda a instabilidade que temos vindo a registar surgiu com a guerra de 7 de junho de 1998. O Estado está sem autoridade, isto perante sucessivos golpes de estado”, conclui Luís Peti, analista político guineense.

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