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Petroleiro Integrity nas águas turvas dos negócios do Estado de São Tomé e Príncipe


Petroleiros Marida Melissa e Duzgit Integrity ao largo de São Tomé
Petroleiros Marida Melissa e Duzgit Integrity ao largo de São Tomé

Para salvar a face governo insiste em manter refém o navio da Stena Oil sob alegação de a empresa recusar-se a pedir desculpas e ceder a carga no valor de 7,5 milhões de dólares.

O governo de São Tomé e Príncipe acusa os representantes do petroleiro "Duzgit Integrity", retido no arquipélago desde Março, de recusarem as condições do Estado são-tomense, entre as quais, um pedido de desculpas, para que o barco seja devolvido.

Entretanto a empresa contratante do petroleiro, a Stena Oil, acusou as autoridades são-tomenses de comportarem-se como um "Estado pirata" e de estarem a tentar enriquecer através da "apreensão ilegal de propriedade estrangeira".

O representante do governo são-tomense para as negociações com a empresa Stena oil e o proprietário de Duzgit Integrity, Guilherme Pósser da Costa disse à agência Lusa, que os protestos da empresa sueca junto das instâncias internacionais não têm qualquer razão de ser" e garante que "toda a carga apreendida permanecerá no país.”

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As declarações de Guilherme Pósser da Costa, que inicialmente foi advogado do Estado são-tomense durante o processo judicial e agora é chefe da equipa de negociações com os proprietários e os armadores dos dois barcos, estão longe de reflectir os meandros do problema e os verdadeiros desígnios dos responsáveis políticos locais envolvidos nesta contenda.

Antecedentes históricos...

Com efeito trata-se de uma história que tem o início há precisamente um ano. Em meados de Agosto e Setembro de 2012, após o fim compulsivo de sua função de embaixador de São Tomé e Príncipe em Taipé, Jorge Amado, era eleito presidente do MLSTP/PSD, partido na oposição. O regresso forçado desse reputado veterinário e homem de negócios a São Tomé, era o preço que pagava por causa de divergências políticas no passado com o então primeiro-ministro Patrice Trovoada.

Enquanto novo líder do MLSTP/PSD, Amado parecia determinado em prosseguir a confrontação com o então chefe de governo e a sua nova função política conferia-lhe uma tal legitimidade. Em Outubro do mesmo ano, não perdeu a primeira oportunidade. Amado acusou o primeiro-ministro Patrice Trovoada de estar envolvido em acções corruptas com uma empresa taiwanesa e que visitava constantemente, à noite, embarcações ao largo de São Tomé.

Na verdade, o então governo de Patrice Trovoada tinha feito um acordo com a companhia taiwanesa TMT em 2012 para em conjunto pesquisarem e desenvolverem a exploração de gás no mar de São Tomé e Príncipe. Com base nisso, a empresa chinesa obteve o direito para fundear 4 grandes barcos ao largo do arquipélago.

Fontes da Voz da América disseram que a agenda secreta da empresa taiwanesa era na verdade escapar-se dos processos de arresto interpostos pelos seus credores, e tripulações cujos pagamentos estavam há muito atrasados. Meses depois os barcos viriam a abandonar as águas são-tomense sem pagar os devidas compensações ao Estado são-tomense, para serem arrestados um por um em vários portos internacionais.

Pelo que apurou ainda a VOA, a dívida da TMT para com São Tomé e Príncipe até hoje não foi paga. De Outubro de 2012 a Março deste ano, altura em que os dois barcos petroleiros Marida Melissa e Duzgit Integrity viriam a ser detidos no mar de São Tomé e Príncipe, há um grande acontecimento que muda todo o jogo político no arquipélago.

O governo de Patrice Trovoada é demitido no início Dezembro e o presidente da república Manuel Pinto da Costa, antigo líder do MLSTP/PSD, nomeava um novo executivo de sua iniciativa, liderada por Gabriel Costa e composta pelos membros do seu partido e do PCD. Esse novo governo não tardou em acusar o executivo cessante de corrupção em larga escala.

Os barcos taiwaneses permaneceram nas águas de São Tomé e Príncipe durante mais de 6 meses, e tiveram que ser abastecidos regularmente. Várias companhias de barcos petroleiros foram contactadas pela TMT para prestarem o serviço de abastecimento e a empresa sueca, a Stena Oil foi uma delas. De acordo ainda com a fonte da Voz da América, se os barcos taiwaneses não fossem abastecidos na ocasião havia o risco de ficarem imobilizados, ou melhor, de ficarem encalharem com todos os prejuízos possíveis para as ilhas.

A Stena Oil terá assim abastecido os barcos em várias ocasiões, e de acordo com as nossas investigações o segundo desses abastecimentos teve lugar ainda no dia 21 de Dezembro do ano passado e com a devida permissão das autoridades santomenses, e mediante o cumprimento e pagamento das tramitações marítimas de São Tomé.

Essas operações dos barcos da Stena Oil são uma prática corrente na África Ocidental e em outras partes do mundo, e passam-se no alto mar – fora das 12 milhas náuticas. De acordo com as leis internacionais, é também uma prática legal que ajuda inclusive a reduzir os custos dos transbordos de mercadorias, e nesse caso particular, em África, tornando os combustíveis ainda mais acessíveis para as embarcações que teriam que percorrer longas distâncias e de terem que se submeter a pesadas burocracias e arriscadas manobras de alguns portos regionais.

Com a mudança do governo no início de Dezembro, alimentou-se então uma suspeição de que havia uma relação corruptiva entre Patrice Trovoada e a empresa taiwanesa TMT, e que a Stena Oil terá participado nesse jogo assistindo no abastecimento de combustíveis aos barcos chineses.

Foi assim que depois de uma primeira autorização da capitania dos Portos de São Tomé, para que os dois barcos petroleiros que são da mesma empresa, procederem a transferência do crude do Duzgit Integrity para o Marida Melissa, numa zona inferior as 12 milhas da costa, os mesmos foram mais tarde convidados pela patrulha da marinha santomense a se acostarem no porto de São Tomé de onde foram presos, sob alegação de violação de soberania e operações de contrabando.

Uma sentença forjada...

O processo na justiça terá sido o ponto alto de uma maquinação política e um dos episódios dos quais os bastidores políticos terão organizado para em suposta legalidade tentarem provar as ligações do antigo primeiro-ministro Patrice Trovoada ao negócio dos barcos.

Os comandantes dos dois navios foram sentenciados em Março a três anos de prisão, e condenados a pagar cinco milhões de Euros de multa, e as duas embarcações foram confiscadas a favor do Estado de São Tomé e Príncipe. Importa salientar que após esta decisão de justiça, as autoridades são-tomense não fizeram de nada para, por exemplo, trocar as bandeiras das embarcações, ou ainda, substituir as tripulações que até as ultimas semanas vêm sendo as mesmas.

Em Julho, depois de tomar conhecimento da queixa internacional contra o presidente da república, primeiro-ministro, presidente do tribunal supremo, e outras individualidades da justiça implicadas no caso, o governo santomense decidiu então abrir as portas as negociações. Segundo apurou a VOA, diplomatas da Suécia, Turquia, e advogados dos proprietários dos navios e da empresa contratante, a Stena Oil, estiveram em São Tomé várias vezes para conversações com as autoridades.

Desses contactos viria a ser produzido um indulto de libertação dos comandantes dos dois barcos, Gulgen Gengiz e Volchenko Yevgen através de um decreto presidencial de 26 de Setembro. De acordo com a fonte da Voz da América, o gesto de clemência do governo santomense, seguido da libertação na Sexta-feira passada do petroleiro Marida Melissa, foi um passo para conseguirem obter a retirada da queixa e a cedência da Stena Oil, que até hoje mantém-se inflexível em não ceder o carregamento de 9 mil toneladas de crude que se encontra presente no Duzgit Integrity, e cujo valor está calculado em vários milhões de dólares.

As estimativas apontam para 7 500 000 de dólares o valor do gasóleo D2 no navio-tanque que as autoridades são-tomense pretendem arrebatar com a sua retenção desde a Sexta-feira passada no porto de São Tomé, após uma tentativa falhada em vazar o conteúdo do barco em questão para o petroleiro Anuket Emerald vindo de Luanda exclusivamente para o efeito.

Fecha o cerco com a pressão internacional...

A investida diplomática da Stena Oil, e dos proprietários dos barcos juntos dos governos sueco, alemão, turco e maltês, e possivelmente da União Europeia, tem afectado sobremaneira a acção e o prestígio do governo são-tomense. O próprio presidente Manuel Pinto da Costa deixou transparecer isso mesmo há três semanas quando partia de viagem para Lisboa.

Quando questionado sobre o caso dos barcos, Pinto da Costa mostrou-se incomodado e sugeriu que a outra parte fosse igualmente se queixar ao ex-presidente Nelson Mandela da África do Sul, para quem um grupo de indivíduos da sociedade civil são-tomense tinha enviado em semanas anteriores uma carta lamentando as perseguições do governo no tocante as liberdades de expressão, manifestação e de reunião.

As pressões internacionais estão assim a reduzir as margens de acção do governo, tanto mais que esse constrangimento ficou retratado nas declarações do chefe da equipa de negociação do executivo, Guilherme Pósser da Costa. Falando a LUSA, Pósser da Costa disse que os representantes do barco Duzgit Integrity recusam-se em pedir desculpas, e adiantou que os indultos aos comandantes não prejudicam a indemnização por perdas e danos a favor de São Tomé e Príncipe. Uma indemnização que muitos afirmam ser avultadíssima e ter sido equiparada ao valor da carga do barco retido pelas autoridades.

Um dos responsáveis da Stena Oil disse a Voz da América que esse valor representa "uma boa soma" para o governo são-tomense e uma "fortuna" para o próprio Pósser da Costa que deverá beneficiar-se dos seus alegados 15%, com base nos emolumentos pelos serviços de advocacia prestados ao Estado são-tomense.
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