Links de Acesso

Cemitérios de Luanda: Ritos em mudança mudam forma de encarar a morte


Cemitério dos Mártires da Repressão Colonial Keta-Dia-Kinda, município do Quela, Malanje, Angola
Cemitério dos Mártires da Repressão Colonial Keta-Dia-Kinda, município do Quela, Malanje, Angola

Os cemitérios de Luanda têm sido palco de escândalo, de actos de vandalização e de práticas sobrenaturais.

Analistas sociais entendem que tais comportamentos revelam a perda acentuada dos valores mais sagrados da cultura angolana e da vida em sociedade. Por outro lado, asseguram que tais práticas resultam da convivência com outras culturas do continente africano.

Para o jurista e docente Mbote André, o que se tem assistido em alguns cemitérios da capital angolana é reprovável, sendo certo que em nada ajuda para o merecido descanso que se pretende para os defuntos. O académico refere por outro lado que tais comportamentos devem merecer a atenção especial das autoridades uma vez que alteram a ordem e perigam a tranquilidade seja dos ente queridos como dos seus familiares.

Cemitérios de Luanda: Ritos em mudança mudam forma de encarar a morte - 20.00
please wait

No media source currently available

0:00 0:20:25 0:00

"A medida que o Governo deve tomar, no meu ponto de vista, seria mesmo maior fiscalização dos campos santos através das Administrações Municipais, que valorizassem mais aquelas pessoas que trabalham para que se concretizam os funerais. Deveriam melhorar as suas condições salariais para que pudessem realizar os seus trabalhos com maior empenho. E também se poderia reforçar a segurança, porque se há escândalo e vandalização é porque não há segurança capaz de impedir tais actos", refere o jurisconsulto.

Momento de reflexão

A celebração fúnebre é, para o antropólogo João Nicolau, um momento de reflexão sobre o valor da vida humana e uma ocasião para se tomar contacto com a fragilidade da existência.

Aquele especialistra entende que o que se vive actualmente nos actos fúnebres revela a perda do sentido profundo da celebração do sagrado entendendo-se tudo como “a celebração de uma festa”.

"As pessoas perderam toda concentração, desligaram-se de todo entendimento e proceder, tendo a vida passado a ser compreendida na dimensão exclusivamente de festa, tal como diz o adágio popular a vida é uma festa", afirma.

Música, dança, acrobacias com motorizadas fazem parte do cardápio de escândalos que se apreciam a luz do dia à entrada de alguns cemitérios em Luanda, sobretudo os da periferia.

No seu interior, o desrespeito aos mortos é maior.

Para além da vandalização das campas, a retirada das ossadas, do vestuário do difunto, assim como a própria urna e outros objectos fúnebres são as acções mais frequentes.

O factor tristeza

O destino de tais objectos são vários, com destaque para a prática de feiticismo.
João Nicolau acredita que está no centro deste comportamento antissocial a busca pelo materialismo, assim como a pobreza moral e sociocultural que caracteriza a sociedade angolana.

"A busca pela satisfação e o combate pela pobreza. A nossa sociedade não só está pobre de valores monetários, como também está pobre totalmente e valores morais, de valores socioculturais e é na falta destes valores que nós perdemos o entendimento do sentido do sagrado. E quando nos falta este elemento o descontrolo acaba por ser a força motriz que conduz a sociedade”, aponta.

A tristeza do africano também é manifestada por via da música, do cântico e da dança, mas desde seja de forma modesta e sem exagero, é típico da sua cultura, portanto, o que ocorre nos cemitérios desde que não vá ao extremo é parte da matriz cultural angolana, refere o Jurista e também especialista em Educação Moral e Cívica, Mbote André.

"Desde que se faça modernamente o canto e dança é uma forma de manifestação de tristeza pelo entrequerido que partiu", reforça.

Em muitos cemitérios, é possível constatar comportamentos como o consumo de bebidas alcoólicas no a vandalização de jazigos e de ossadas humanas, actos que não dignificam os mortos.

O jurista Mbote Sebastião André encara os exageros e os vandalismos aos campos santos com muita preocupação uma vez que configuram crimes passíveis de punição nos termos da lei angolana.

"O nosso código penal no capítulo 5º, nos crimes contra a dignidade das pessoas, na secção 3ª, sob a epígrafe Crimes contra o respeito devido aos mortos, consagra o crime de profanação de lugares fúnebres. Neste caso, podemos dizer que os assaltos às campas e a profanação das ossadas configuram crimes, passiveis e puníveis pelo artigo 221 e 22 do nosso código penal, que é punível com uma pena de um a dois anos de cadeia", refere o jurista.

Pobreza material e espiritual

João Nicolau não tem dúvidas que não tem dúvidas que a vandalização dos cemitérios em parte é resultante da pobreza material e espiritual a que está votada a sociedade angolana.

Por outro lado, refere o antropólogo, o combate contra os maus comportamentos cívicos nos lugares santo deve começar com a reeducação das famílias e com a responsabilização civil e criminalmente dos autores dos actos de vandalismo.

"Devemos despertar nas pessoas a cultura da denúncia, e esta deve se reflectir em penalização para servir de exemplo às pessoas que venha a ter intenções s de adoptar comportamentos da mesma natureza", afirma o analista para quem se deve combater estas tendências.

A forte presença de culturas de países vizinhos como a República Democrática do Congo e a República do Congo tem estado a influenciar as celebrações e os rituais fúnebres em Angola de forma negativa, segundo o jurista Mbote Sebastião para quem o que deve haver é "o melhor aproveitamento dos aspectos positivos das culturas que se cruzam no território angolano".

A Igreja

A responsabilidade primária sobre os actos de vandalismo a que têm sido alvo os cemitérios de Luanda não é do Executivo, mas também das famílias, diz o antropólogo João Nicolau, para quem “o Governo deve se preocupar com a criação de políticas que regulam a participação cívica e ordeira dos cidadãos nos funerais”.

"É importante se importar um pouco da natureza vivida a quando do tempo da pandemia da COVID-19 e começar a implementar esta rigidez de tal forma que posamos ter controlo na realização dos funerais, só assim vamos alertar as pessoas sobre a valorização do lugar em que nos encontramos”, diz.

A igreja, como guardiã moral da sociedade, desempenha um papel fundamental para formação espiritual dos cidadãos e dos religiosos por meio da evangelização.
É nesta perspectiva que Mbote André entende que a sociedade tem uma função preponderante na contribuição para o respeito da dignidade dos que já partiram deste mundo.

Fórum

XS
SM
MD
LG