As autoridades angolanas devem assegurar a prestação de contas pelos agentes da polícia responsáveis por mortes, ferimentos e trauma causados a dezenas de pessoas durante manifestações entre novembro de 2020 e junho de 2023, pediu nesta quarta-feira, 27, a Amnistia Internacional (AI) num novo relatório apresentado à imprensa, em Luanda.
O relatório "Promesas quebradas: Manifestantes entre gás lacrimogénio, balas e bastões em Angola", denuncia "um padrão de uso excessivo e desnecessário da força pela polícia durante o mandato do Presidente João Lourenço", de acordo com a organização não governamental, que insta a polícia a "parar de atacar os manifestantes e respeitar e defender o direito de todos à liberdade de reunião".
Os investigadores da AI escrevem que agentes da polícia "atacaram os manifestantes com balas reais e gás lacrimogéneo, mataram pelo menos 17 pessoas, espancaram e detiveram arbitrariamente outras também, em violação da legislação angolana e do direito internacional".
“As pessoas em Angola protestaram quando o Presidente angolano não cumpriu com as suas promessas. Em vez de respeitar o direito à manifestação, sob a sua liderança, a polícia continuou a reprimir as manifestações com força brutal", lê-se no relatório.
A organização de defesa dos direitos humanos "documenta que a polícia matou crianças a tiro, disparou granadas de gás lacrimogéneo contra multidões, queimando braços e pernas, e espancou brutalmente pessoas sob a sua custódia, provocando profundas cicatrizes físicas e emocionais".
O Diretor Regional Adjunto para a África Oriental e Austral da AI escreve, no entanto, que "as autoridades angolanas não responsabilizaram ainda ninguém por estas violações de direitos humanos".
"As vítimas e as suas famílias merecem justiça, agora", apela Khanyo Farisè.
Um padrão de uso ilegal da força
A investigação mostra que a polícia angolana respondeu rotineiramente aos protestos "violando os direitos à vida e a não ser sujeito a tortura e outros maus-tratos, bem como os direitos à liberdade e segurança da pessoa e à liberdade de reunião pacífica".
E apresenta vários episódios para sustentar as suas acusações.
O relatório cita o caso de 11 de novembro de 2020, em que a polícia matou a tiro Inocêncio de Matos, de 26 anos, durante um protesto em Luanda contra o adiamento das eleições autárquicas, alegadamente quando se encontrava de joelhos, com as mãos no ar.
Em janeiro de 2021, a polícia alvejou a tiro uma manifestação contra a pobreza na vila diamantífera do Cafunfo, província da Lunda Norte, matando pelo menos dez pessoas, diz a AI, que também lembra que a 26 de maio de 2022, a polícia "matou a tiro Adão José André Caoluna, de 32 anos, e Luís António Lourenço, de 35 anos, também conhecido por Dorito, durante uma greve dos trabalhadores da empresa Hidroeléctrica de Caculo-Cabaça (CGGC), organizada pela Federação dos Sindicatos da Construção Civil, em Cambambe, província do Cuanza Norte".
Mais tarde, a 5 de junho de 2023, na província do Huambo, agentes da Polícia de Intervenção Rápida (PIR), segundo a AI, "dispararam balas reais contra uma multidão que protestava devido aos elevados preços dos combustíveis, matando pelo menos quatro pessoas, três das quais transeuntes, incluindo Cristiano Luis Pambasangue Tchiuta, de 12 anos, que caminhava para a escola".
A organização acrescenta que a polícia usou também "força desnecessária e excessiva ao lançar grandes quantidades de gás lacrimogéneo em várias manifestações contra manifestantes pacíficos", o que é proibido.
Várias pessoas atingidas diretamente pelas granadas de gás lacrimogéneo sofreram queimaduras horríveis que exigiram a aplicação de enxertos de pele, ainda de acordo com o relatório, que sustenta as suas afirmações com os casos de Avisto Chingolola Mateus Mbota, de 32 anos.
"Foi espancado nas costas até perder os sentidos durante uma manifestação contra os resultados contestados das eleições, em 27 de agosto de 2022 em Benguela", altura que "três polícias agrediram António Feliciano Buengue Pongoti com bastões, atirando-o ao chão, e depois meteram-lhe uma granada na boca e chicotearam-no nas nádegas".
“A violência policial contra os manifestantes em Angola sob a administração do Presidente João Lourenço é lastimável. Estas agressões deixaram frequentemente efeitos debilitantes e prolongados nas vítimas e nas suas famílias, tornando ainda mais difícil para elas ganharem o seu sustento e terem uma vida digna", afirma Farise, para quem a "polícia angolana deve respeitar o direito das pessoas a protestar".
Em vez de justiça, caixões
O relatório da AI destaca que "nenhum dos agentes ou os seus superiores responsáveis pelas violações de direitos humanos documentadas pela Amnistia enfrentaram a justiça" e que nos poucos casos em que investigações foram prometidas pelas authoridades, como o de Inocêncio de Matos, 2as suas conclusões ainda não foram divulgadas".
"Em alguns dos casos, as respostas oficiais foram insultuosas", reforça a organização que diz ter solicitado "explicações oficiais sobre as alegações de violações dos direitos humanos e as medidas tomadas para proporcionar justiça às vítimas, mas sem resposta".
"A depravação destes crimes só encontra paralelo no desrespeito pela justiça que se seguiu", afirma Khanyo Farisè, que pede à Procuradoria-Geral da República investigações sobre as mortes de manifestantes e transeuntes pela polícia e garantir que os autores, quer sejam agentes ou oficiais superiores, sejam levados à justiça em julgamentos justos.
O Diretor Regional Adjunto para a África Oriental e Austral da AI também pede ao Provedor da Justiça que investigque os casos de uso ilegal da força e apresentar as suas conclusões às autoridades angolanas para que tomem as medidas apropriadas.
A Voz da América espera uma reação do Ministro da Justiça e dos Direitos Humanos ao relatório da Amnistia Internacional.
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