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“A mulher saiu de casa, os filhos foram para a delinquência”


Psicóloga Maria Encarnação Pimenta
Psicóloga Maria Encarnação Pimenta
São muitas as razões que podem estar na origem dos problemas que a sociedade angolana, a mudança do papel da mulher é apenas uma, a guerra é outra.
As explicações são da professora universitária e psicóloga, Maria da Encarnação Pimenta, convidada do Angola Fala Só, desta sexta-feira, 21.

Maria da Encarnação Pimenta é também a autora da colecção Modelos de

Maria da Encarnação Pimenta é

Natural de Ndalatando - Kwanza-Norte
Licenciada em Psicologia - ISCED
Mestre em Psicologia Industrial e Clínica - Universidade de Lagos

Lançou as obras:
Eventuais Causas e Consequências da Delinquência em Angola
Quem Produz Delinquentes
Os 7 Casamentos
Amantes, Concubinas ou Esposas
Até Dizem Que o Meu filho Já Se Droga
Tomada de Posse e o Casamento Tradicional do Kamá Comissário

Lecciona
Universidade Católica
Instituto Piaget
Delinquência em Angola, um conjunto de estudos empíricos, que retratam a problemática da delinquência no país.

O Bilhete de Identidade de Maria da Encarnação vai passar por quatro dos seis livros que a psicóloga escreveu, com o objectivo de alertar a "sociedade (angolana) de tabus".

Todas as obras são a percepção da autora, que toca em assuntos tão polémicos e geralmente considerados tabu, como a poligamia/ bigamia, a violência doméstica, o uso de drogas, o alcoolismo, entre muitas outras questões que caracterizam a delinquência.

Antes de qualquer explanação, a psicóloga faz questão de lembrar que a delinquência não se limita ao jovem criminoso, que temos como estereótipo.
“Delinquente é todo o ser o humano, jovem, adulto, criança, que tem um comportamento desviante”, explicou, acrescentando que existem muitos adultos inconscientemente delinquentes.

Eventuais Causas e Consequências da Delinquência
Capa: Eventuais Causas e Consequências da Delinquência
Capa: Eventuais Causas e Consequências da Delinquência
Foi lançado em 2010 e começou por ser um conjunto de histórias fictícias que depois se transformou na observação de comportamentos.

Neste retrato, aponta aspectos como o ensino, problemas ao nível jurídico (aquisição de documentos pessoais, entre outros), a violação de fronteiras, o tráfico de drogas e de pessoas, a entrada de imigrantes ilegais, a violência doméstica, como elementos que moldam uma sociedade delinquente.

Mas é a influência do álcool na vida das mulheres que mais preocupa Encarnação Pimenta, que acusa o uso excessivo por mulheres e crianças como uma das maiores causas para a delinquência.

“As mulheres não bebiam em quantidades industriais nos anos 70, por exemplo. A partir de 1992 vê-se uma mudança de comportamento das mulheres, passam a beber mais e têm muito pouca auto-estima”, desenvolve a psicóloga, que coloca a “agravante” de os filhos destas mulheres serem também viciados no álcool.

Marcas de guerra: álcool sustento e problema
“Vejo a guerra como a causa fundamental do uso excessivo do álcool. As famílias fugiram da guerra, foram para o litoral, ficaram em casa de familiares, não tinham sustento e o meio mais rápido e fácil era a venda improvisada de bebidas alcoólicas, tarefa muitas vezes alocada às mulheres e aos filhos – como qualquer vendedor de qualquer produto, ele também prova”, conta Maria da Encarnação, que diz que a consequência natural é que se perca o controlo do que bebe.

“As mulheres vendem e bebem. As crianças vendem e bebem”. O ciclo vicioso aumenta quando, em tascas e encontros, a psicóloga percebeu que se bebe todos os dias: em festas de família, casamentos, óbitos.

“Os meus livros são censurados”
A convidada do Angola Fala Só tem noção de que o escreve fere muitas susceptibilidades.

Em “Quem Produz Delinquentes”, lançado também em 2010, a crítica recai para os principais agentes de socialização, os pais. São 18 histórias de ficção de teor satírico, escritas de forma coloquial.

“As obras têm alguns erros, pelo que peço desculpa, mas fomos alvo de sabotagem. Nós não conseguimos produzi-las em Angola. Os meus livros são censurados e por isso também são caros”, informa Maria da Encarnação, sempre com a afabilidade na voz, enquanto conta à Voz da América como conseguiu chegar a estas conclusões.

A influência dos iTudo
“Os problemas vêm até nós”, justifica, dizendo que ao seu consultório chegam todo o tipo de relatos.

“O delinquente é o produto acabado de má qualidade”, adjectiva a psicóloga que aponta a “educação inactiva” como uma das razões mais fortes para a delinquência juvenil.

“A delinquência também tem origem nas famílias abastadas. Os pais substituem-se pelas tecnologias, não têm tempo para os filhos. Dão todos os i que existem (referindo-se aos dispositivos tecnológicos como telemóveis, tablets, computadores, etc.), depois retiram quando o filho se porta mal, mas já é tarde”.

“A vaidade da mulher substituiu o seu papel de educadora”
As mães começaram a trabalhar e os pais além do trabalho têm uma vida de poligamia, continua a psicóloga que também é comentarista na Rádio Nacional de Angola e na Televisão Pública de Angola.

“A mulher saiu de casa e os filhos foram para delinquência”. A afirmação parece demasiado dura, mas Encarnação explica: “A mãe trabalha toda a semana. Chega ao sábado vai às 7:00 da manhã ao cabeleireiro. Regressa às 17:00 e prepara-se para a sair para a festa. No domingo vai à missa às 8:00 e fica até às 14:00. Quando chega almoça e vai ver a novela. Está cansada e já não tem paciência para os filhos”.

Capa: Até Dizem Que o Meu Filho Já Se Droga
Capa: Até Dizem Que o Meu Filho Já Se Droga
“O pai (continua a autora) é polígamo. Tem outras famílias para ver, a mulher é mal-amada, não é capaz, igualmente, de dar amor”.

Se o filho vai para a rua, na rua encontra as mais diversas atracções. Em 2013 a psicóloga publicou “Até Dizem Que o Meu Filho Já Se Droga”, uma realidade que também bate à porta do seu consultório. Os pais ouvem dizer que os filhos usam drogas e não sabem como lidar com a situação.

Neste livro estão algumas orientações de como evitar as drogas e como perceber que os filhos estão nesse caminho.

Amantes, concubinas ou esposas
Maria da Encarnação Pimenta encontra, nos mais diversos comportamentos, argumentos que sustentam a delinquência em Angola.

Capa: Amantes Concubinas ou Esposas
Capa: Amantes Concubinas ou Esposas
“As mulheres não sabem que papel ocupam no casamento, aceitam a poligamia, porque a sociedade ainda não assimilou a monogamia”.

Para a psicóloga a poligamia não deveria ser vista como tabu. Neste livro levanta problemáticas como a bigamia, a falta de leis para punir esse tipo de crimes, o não averbamento dos documentos de identificação após o casamento no registo civil.
Casos de filhos que não podem ser registados porque os pais não aceitam e “chegam a ameaçar de morte quem for procurá-los para o efeito”, são apresentados todos os dias no seu consultório, revela.

O alambamento
“Os maridos vão e voltam, fazem filhos com a amante, com a ex-namorada, com a ex-mulher. O que se pode esperar de crianças sem uma estrutura familiar?”, questiona a psicóloga.

No alambamento, exemplifica, as famílias juntam-se, testemunham uma pré-união, que muitas vezes pesa mais que o casamento pelo registo e/ou igreja. "Mas passado um ano a mesma família que testemunhou o pedido vai com o noivo pedir outra noiva". Assim, Encarnação Pimenta sugere que a carta de alambamento passe a ser reconhecida pelo notário, de forma a evitar os sucessivos pedidos por parte da mesma pessoa a mulheres diferentes.
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