Links de Acesso

A praga do lixo em Luanda - 2004-06-15


De entre os muitos problemas que afectam Luanda, o lixo será o mais sério. O combate ao lixo ganhou alento no principio do ano com a nomeação de uma comissão de gestão da capital a quem foi dado um prazo de seis meses para reduzir o lixo.

O tempo vai passando mas a situação está quase na mesma. Soluções como a recolha do lixo porta a porta ainda estão em fase de consolidação. Outras como a entrada de agentes privados vieram para ficar. Entre o que está feito e o que falta fazer o académico e ambientalista João Serôdio prioriza a educação das pessoas, sobretudo daquelas que emigraram do campo para cidade.

«Se eu viver no mato, isolado com três ou 4 pessoas posso jogar o meu lixo, principalmente o lixo orgânico na natureza, porque ela tem capacidade de reciclar rapidamente este lixo, e manter a situação em estado controlável; mas se for concentrando pessoas, acumulando lixo, e a natureza não tiver capacidade de reciclá-lo, sobretudo nos centros urbanos modernos em que o lixo principalmente é composto por plásticos que são produtos químicos novos que a natureza não conhece, portanto não consegue reciclá-los, esta acumulação vai se fazendo. Numa cidade como Luanda que se supõe ter à volta de 4 milhões de habitantes, se cada pessoa fizer um quilo de lixo por dia, 1 quilo e meio é a média mundial para uma cidade como esta - imagine, serão 4 milhões de quilos que todos os dias têm que ser retirados, e tratados. Aquilo que entendi quando esta determinação foi feita à comissão de Gestão de Luanda é que os seis meses seriam para começar a dar uma solução, pois não havia solução nenhuma».

João Serôdio reconhece que o número de habitantes tenha os seus efeitos no demanda de serviços e na qualidade de vida, mas ainda é possível viver-se melhor em Luanda.

«Você pode ter cidades de 20 milhões de habitantes. Se a população estiver treinada para viver em centros urbanos com esta dimensão, os problemas podem se solucionar à mesma. Simplesmente as pessoas têm que estar educadas e preparadas para viver neste meio. Se você for ver a origem desta população verá que é eminentemente rural, e que nunca foi obrigada a ter uma educação deste tipo, porque a natureza nos centros urbanos mais pequeninos, se encarrega de reciclar os lixos que vão sendo produzidos a pouco e pouco. O problema é da concentração urbana, e da falta de educação das pessoas para viverem neste tipo de concentração. Eu passo pela Samba todos os dias , e todos os dias vejo as brigadas a limparem aquelas valas , e dois dias depois estão cheias de lixo outra vez. As pessoas jogam o lixo nestas valas quando elas são valas de drenagem.. não é possível isto acontecer! Por um lado a população não está educada para isso; segundo, é quase impossível resolver o problema da recolha de lixo em Luanda, quando todos os dias, segundo dados do governo provincial, a população aumenta em não sei quantos milhares de pessoas por dia.. Seria utopia acreditarmos há seis meses atrás, que a cidade iria ficar limpa. Eu nunca acreditei nisso, e só um ingénuo é que iria acreditar nisso».

Lixo não é um problema novo para Luanda, e se calhar, esta cidade terá que fazer a mesma reflexão que outras cidades na mesma circunstância fizeram no passado. Disto falaria a Comissão de Gestão ou a Elisal, mas nenhuma das partes esteve disponível. João Serôdio fala da experiência de outras cidades.

«Se for a analisar as cidades da idade média na Europa e na Ásia verá que foi com as pestes e doenças que as pessoas perceberam que tinham que começar a mudar de atitude. Aqui em Luanda não sei sinceramente como vamos resolver o problema. É quase impossível resolver. Podemos ir tapando alguns buracos, mas não é um problema para resolver de pé para mão. Não é. Seria utopia da nossa parte acreditar que num ano, dois, ou três se iria resolver o problema do lixo em Luanda. Eu sou natural de Luanda, nasci aqui há 60 anos, e lembro-me que Luanda já era a cidade mais suja do império português. Maputo era muito limpa, e Luanda já era um horror naquela altura. Isso infelizmente já vem de trás. Tem de haver uma campanha, tem que se apostar seriamente no ensino porque uma pessoa analfabeta, uma pessoa que não entende aquilo que a gente possa comunicar, possa explicar como se transmitem doenças, como se faz uma reciclagem do lixo, que não tem o mínimo conhecimento de física e química terá muitas dificuldades em entender qualquer campanha de educação ambiental».

O retrato de hoje pode ser penoso, mas João Serôdio é de opinião que Luanda já mudou, embora isto não seja tão evidente para quem viva na capital.

XS
SM
MD
LG