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Cuidado com o “Fundamentalismo nos Direitos Humanos”


A recente decisão do mandato de captura contra o presidente do Sudão Omar al Bashir causou grande controvérsia, principalmente em África.

Alguns criticam o tribunal, acusando-o de racismo; outros insurgem-se contra os dirigentes africanos que se opõem à medida.

Há que começar por esclarecer que em termos meramente jurídicos o que o tribunal penal internacional fez foi emitir uma intimação. O tribunal rejeitou já as acusações de genocídio e a intimação a al Bashir destina-se a estabelecer se as outras acusações forem veradade se há base para um julgamento. Ou por outras palavras os factos ainda não estão em julgamento.

Mas quaisquer que sejam os pormenores técnicos o facto é que o mandato do tribunal provocou celeuma. O conhecido activista dos direitos humanos e antigo prémio Nobel da paz o arcebispo Desmond Tutu disse que a opção dos dirigentes africanos nesta questão deveria ser clara mas que a resposta tem sido – nas suas palavras – "vergonhosa".

"Porque as vitimas no Sudão são africanos, os dirigentes africanos deveriam ser os apoiantes mais fortes de se levar à justiça os responsáveis. Contudo em vez de estarem do lado daqueles que sofreram em Darfur os dirigentes africanos têm até agora declarado o apoio ao homem responsável por transformar esse canto de África num cemitério", escreveu Tutu num artigo de opinião no New York Times.

O professor Mahmood Mamdani da faculade de Assuntos Internacionais e Públicos na Universidade de Columbia em Nova Yorque afirma contudo que não se pode separar esse tribunal daquilo que ele chama de experiência africana e das lições que daí advêm.

Mamdani, de nacionalidade ugandesa, disse que a experiência africana neste contexto diz respeito a conflitos onde não há vencedores, onde há ainda uma guerra civil e em que portanto a primeira prioridade é por termo a esse conflito, a segunda prioridade é reformar a ordem política que provocou o conflito para que um cessar fogo resulte numa paz sustentável e a terceira prioridade a criação de um sistema de direito que tenha como parâmetros essa nova ordem politica

"O meu argumento é que a justiça criminal nesse contexto não é a primeira prioridade e se for colocada como a primeira prioridade terá efeitos negativos, será insustentável e não resultará numa era de responsabilização" disse Mamdani.

A este propósito nós quisemos saber do professor Mamdani qual a sua opinião sobre a decisão do tribunal de emitir um mandato de captura contra o dirigente do chamado Exercito de Libertação do Senhor, um grupo rebelde a operar no norte do Uganda acusado de ter cometidos crimes brutais contra a população. O mandato foi emitido numa altura em que decorriam negociações e para muitos isso fez abortar essas negociações. Mas não só, como explicou o professor Mamdani

"O contexto em que isso ocorreu foi um em que uma lei de amnistia foi aprovada pelo parlamento e que foi sustentada pelos tribunais mas que tinha a oposição do executivo", explicou o professor.

"O efeito da entrada do Tribunal Penal Internacional nesta questão através do executivo foi o de ter basicamente minado o primado da lei, minimizando o papel da legislatura e do tribunal no Uganda," acrescentou Mamdani para quem "ironicamente o Tribunal Penal Internacional que foi criado para fortalecer o primado da lei e o seu procurador tomaram medidas que minaram o primado da lei e esforços para se criar a paz".

O que levanta de imediatamente a pergunta:

Será que a lei internacional portanto nunca deve ter prioridade sobre a lei nacional? O professor Mamdani diz não ser essa a sua opinião mas avisa que a lei existe e só pode ser aplicada dentro de um parâmetro político. O professor da universidade de Columbia avisou contra o que descreveu de "Fundamentalismo de direitos humanos" que acredita que os direitos podem ser aplicados qualquer que seja o contexto.

"Eu penso que a noção que se pode fazer aplicar direitos fora de um parâmetro político que permita isso é um sonho irrealista" disse o professor.

Tribunal Penal é Racista?

Para além das questões jurídicas e políticas há também acusações de racismo por parte do sistema do tribunal penal internacional. Por exemplo o actual presidente da Assembleia Geral da ONU Miguel 'Descoto afirmou que a decisão do tribunal "ajudará a aprofundar a percepção que o tribunal internacional de justiça é racista.

A declaração provocou a reacção do jornal Boston Globe que num editorial acusou D'escoto de uma grande mentira.

Para o professor Mamdani a declaração de D'escoto é uma daquelas que se insere no quadro daqueles que querem saber porque é que o tribunal se concentra em algumas situações e não noutras. Mas acrescentou que a declaração sublinha um outro aspecto importante, nomeadamente a questão da responsabilização não só dos alegados criminosos mas também a responsabilização daqueles que fazem aplicar as leis.

"Se não houver um sistema em que os que fazem aplicar as leis não assumem responsabilidades então teremos um procurador descontrolado que faz o que quiser" disse o professor para acrescentar que na sua opinião "há preocupação suficiente que justifica as ansiedades sobre se o procurador do Tribunal Penal Internacional se está na verdade a tornar num procurador sem controlo e descontrolado".

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