Os assassinatos em Bissau põem em relevo os obstáculos no combate ao narcotráfico, originando questões sobre o papel dos cartéis das drogas na política da Guiné-Bissau.
O assassinato do presidente João Bernardo "Nino" Vieira criou uma grande especulação sobre o papel dos cartéis das drogas da América Latina no governo e no processo político na Guiné-Bissau. Receia-se que, em face da situação, os cartéis poderão aumentar a sua influência na Guiné-Bissau, que tem sido descrito como um narco-estado.
O secretário executivo da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, CEDEAO, Mohammed Ibn Chambas disse que um grupo de ministros dos negócios estrangeiros da região ira investigar o possível papel dos cartéis da droga na morte de Nino Vieira.
"Precisamos de assegurar que não há por detrás (dos assassinatos) algumas forças sinistras. Sabe-se que a Guiné-Bissau se transformou num ponto de passagem para os traficantes de drogas."
O presidente Vieira e o chefe de estado-maior do exército, general Batista Tagme na Waie, considerados como os mais poderosos homens na Guiné-Bissau, foram mortos durante o fim-de-semana, com poucas horas de intervalo. O presidente morreu às mãos de um grupo de soldados que atacou a mansão presidencial, pouso depois da morte do general Waie.
Richard Moncrieff, que chefia o projecto África Ocidental no Grupo Crise Internacional, afirma: "Sabemos que tinham sido feitas acusações contra o general Tagme na Waie de estar envolvido no tráfico de drogas. Como houve alegações feitas contra outros membros das forcas armadas."
Nos últimos anos, os cartéis da América Latina aumentaram a sua presença na Guiné-Bissau, utilizando as inúmeras ilhas e ilhotas não habitadas para transportar as drogas para a Europa.
O representante do escritório para as Drogas e o Crime das Nações Unidas na África Ocidental, António Mazzitelli diz que as drogas são apenas uma parte do perigo.
"Certamente a maior ameaça introduzida pelo tráfico de drogas ou outros grupos transnacionais de crime organizado na África Ocidental e a possibilidade de sequestrar ou influenciar o processo democrático. Graças ao enorme poder em termos financeiros e corruptivos do dinheiro (do comercio das drogas), e esse é a maior preocupação num país como a Guiné-Bissau.
Mazzitelli diz que nos últimos anos foram apreendidos cerca de 1.3 toneladas de cocaína na Guiné-Bissau, com um preço comercial nas ruas da Europa de mais de 100 milhões de dólares. Ele nota que a maior parte dos carregamentos de drogas passam pela região sem serem detectados.
E num país com um produto nacional bruto de cerca de 300 milhões de dólares, acrescenta Mazzitelli, dinheiro associado ao narcotráfico pode interferir seriamente na sociedade e corromper a política.
"Sabemos que os traficantes tentaram, pelo menos, infiltrar directamente o governo, como se provou com a operação policial levada a cabo há uns anos e que provou claramente a forma como traficantes de drogas da América Latina tentam infiltrar as instituições. Sabemos que há um número de políticos e pessoas de instituições expostas que até certo ponto tem estado envolvidos directa ou indirectamente na questão das drogas."
Este funcionários das Nações Unidas acrescenta que apesar das instituições da Guiné-Bissau, que nota não terem recursos, estarem a combater o narcotráfico, o país continua a ser afectado por incidentes de corrupção e uma falta de capacidade institucional.
"O último caso é o do avião que, em Agosto, aterrou na pista do aeroporto internacional Osvaldo Vieira, na Guiné-Bissau. (Apesar) de não ter sido apreendida cocaína, provavelmente o avião estava carregado com cocaína."
Mazzitelli cita o misterioso desaparecimento de 600 quilos de cocaína de um cofre do Ministério das Finanças, como prova de que o país precisa de mais assistência no combate ao crime organizado e para impedir mais "atentados" contra as instituições do país. A fraqueza das instituições da Guiné-Bissau torna o país num caso único, na opinião de Mazzitelli.
Diversos suspeitos foram levados sob custódia em relação ao caso do avião, mas todos eles, incluindo vários sul-americanos, desapareceram rapidamente depois de terem pago fiança, parcialmente porque a Guiné-Bissau não tem prisões.
"Quando fui a primeira vez à Guiné-Bissau e vi que não tinha prisão, comecei a interrogar-me qual era o significado da justiça? E os próprios juízes com quem tive a oportunidade de conversar disseram-me que tinham medo de sentenciar alguém, sobretudo criminosos perigosos, porque não tinham um local onde a lei pudesse ser executada."
Apesar da constante luta contra o comércio de drogas, Mazzitelli mostra-se optimista que as instituições na Guiné-Bissau se estão a reforçar. Como prova disso, indica o facto de não se ter registado um golpe militar na sequência do assassinato do presidente, o que evidencia uma postura madura dos guineenses relativamente à democracia.