A Costa do Marfim dividida pela guerra, prepara-se agora para iniciar o processo de desarmamento, por sinal o terceiro país da África Ocidental, depois da Libéria e da Serra Leoa a enveredar por um tal processo.
Mas, de acordo com um estudo recente, apesar dos esforços de desarmamento em curso em África, o problema da proliferação de armas na região não demonstra sinais de fim próximo o que sustenta os indícios da eventualidade de novos conflitos virem a reacender naquela região do continente.
Um grupo de cerca de uma dúzia de jovens, ex-rebeldes concentra-se junto ao porto da capital liberiana, Monróvia, uma das áreas outrora controladas pelos rebeldes durante a incursão militar de 2003, contra o ex-presidente Charles Taylor.
Tal como fazem regularmente quando são abordados, falam sobre dinheiro que supostamente lhes é devido por terem devolvido as suas armas no quadro do programa de desarmamento patrocinado pelas Nações Unidas.
Um dos jovens, que responde pelo nome “Trouble” (”Problema”) diz que o dinheiro que lhe é devido é merecido por terem participado no que considera de libertação da Libéria e não se cansa de repetir até à exaustão a lista dos armamentos que durante o conflito passaram pelas suas mãos.
“Eu era suposto receber mil e duzentos dólares americanos. Esse é o montante que era suposto receber pelo trabalho... pelos combates... Usei as “M2s”, as “M16s”... usei tudo isso...”
A região ocidental do continente africano que inclui a Serra Leoa, a Libéria, a Costa do Marfim, a Guiné Conacri e a Guiné Bissau tem vindo a ser palco, há décadas de conflitos e de rebeliões armadas.
Especialistas da região admitem que os combates na região têm sido basicamente alimentados pelo comércio ilegal de armas de pequeno calibre.
O termo armas de pequeno calibre, inclui as armas automáticas, assim como os morteiros, granadas lança roquetes e os mísseis portáteis. Estas armas são relativamente baratas e bastante utilizadas nos conflitos que têm assolado a África Ocidental.
A nível mundial, estima-se que essas mesmas armas sejam responsáveis pela perda, anualmente, de cem mil vidas humanas.
Na Costa do Marfim, país que brevemente vai iniciar o seu terceiro processo de desarmamento em menos de três anos, a presença de uma vasta quantidade de armamentos de pequeno calibre tem dificultado a tarefa do responsável pela Missão de Manutenção de Paz das Nações Unidas, Pierre Schori.
“Há um par de meses atrás, tivemos a retirada das armas pesadas de ambas as partes. Essas eram muito visíveis. As armas de pequeno calibre podem ser escondidas em qualquer lado. Portanto, pequenas armas, grandes problemas”.
A moratória internacional imposta a comercialização de armamentos letais com a região, conseguiu em certa medida, por cobro a venda de carregamentos massivos de armas para a Libéria e a Serra Leoa, durante a década de noventa.
Mas um dos investigadores da problemática, Nicolas Florquin, cuja organização, a Pesquisa de Armas Ligeiras, publicou recentemente um livro abordando a situação das armas na região, defende que o embargo internacional esteve longe de resultar numa menor circulação de armas ligeiras nos países saídos de conflito naquela zona.
“Mesmo admitindo que existem menos armas a entrar, das antigas republicas soviéticas, temos é uma situação de re-circulação de armas... armas que já se encontravam na região e que provêem dos arsenais do Estado...ou armas que foram recuperadas, recicladas e, posteriormente, re-utilizadas...”
Os conflitos na Libéria e na Serra Leoa, a partida relacionados, culminaram recentemente em programas de desarmamento. Mas apesar de mais de cem mil combatentes terem sido desmobilizados no quadro do processo de desarmamento implementados nesses países, Nicolas Florquin diz não se render à suposta eficácia desses programas.
“Na Libéria, estima-se que 60 por cento das armas foram recolhidas. Entretanto, podemos observar que apenas alguns dos mais vulgares modelos foram recuperados durante o programa de desarmamento. Esses são precisamente as mais mortíferas armas, foram aquelas que causaram mais danos colaterais.”
Tal como os rebeldes que nas varias guerras cruzam as fronteiras dos seus países para combaterem como mercenários noutras paragens, Nicolas Florquin vê nesta possibilidade a razão de alguns combatentes conservarem as suas armas que são traficadas junto a fronteira.
Aquele especialista cita a titulo de exemplo o caso da Costa do Marfim, que planeia oferecer 900 dólares americanos a cada guerrilheiro pela entrega de uma arma.
“Na sequência das recentes conversações sobre o desarmamento na Costa do Marfim e o esperado pacote de reintegração oferecido, existem noticias de infiltração de armas, a partir da Libéria. Pelo facto do pacote oferecido a reintegração ser bem aliciador, os combatentes contam tirar dividendos da situação”.
Um memorando interno das Nações Unidas, que chegou ao conhecimento da imprensa, atribui a autoria dos massacres de Junho passado que resultaram na morte de 40 civis na parte ocidental da Costa do Marfim, a combatentes que teriam se infiltrado no pais, através da Libéria.
O documento revela ainda que as milícias marfinenses recrutaram mercenários com base na promessa de os integrar nos programas de desarmamento, que prevê o pagamento de somas superiores ao salario normal e anual de um trabalhador marfinense.
Para Nicolas Florquin, sem um esforço no sentido da mudança de mentalidade desses combatentes, dificilmente o sistema de desarmamento funcionara de forma eficiente.
“Penso ser justo dizer isso, especialmente quando se da 900 dólares por uma arma, o que é basicamente dinheiro suficiente para a compra de três outras armas. Assim, as pessoas podem inclusive comprar mais armas”.
Desde o anuncio do novo processo de desarmamento da Costa do Marfim no inicio do ano, o numero de combatentes reivindicado por ambos os lados cresceu de forma vertiginosa.
Um guerrilheiro Adam Salgado cruza um posto de controlo na parte norte do país, mais precisamente na zona tampão controlada pelos capacetes azuis das Nações Unidas. Salgado diz-se disposto a entregar a sua arma e a regressar a uma vida normal.