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Uma aula sobre Angola I


Ricardo Soares de Oliveira Professor Universidade Oxford - autor Magnificent and Beggar Land Angola Since the Civil War
Ricardo Soares de Oliveira Professor Universidade Oxford - autor Magnificent and Beggar Land Angola Since the Civil War

Angola com menos habitantes que o estado de São Paulo (Brasil) não conseguiu dar um bom nível de vida à maioria dos angolanos

A Pública

O pesquisador português Ricardo Soares de Oliveira é quiçá o mais perspicaz analista da realidade angolana hoje. Professor da Universidade de Oxford, na Inglaterra, Ricardo dedicou os últimos dez anos a entender a dinâmica econômica do país após o fim de 27 anos de guerra civil, em 2002.

Ao longo de anos de pesquisa, conversou com diversos membros do regime, empresários, banqueiros, integrantes de ONGs, oposicionistas, pesquisadores. No seu livro “Magnífica e miserável: Angola desde a guerra civil”, lançado em novembro pela editora portuguesa Tinta da China, ele traz essa riqueza de vozes de maneira anônima, de modo a proteger esses insiders.

O livro conta de maneira detalhada como José Eduardo dos Santos conseguiu controlar a economia angolana até se tornar o mais poderoso líder africano. Entre seus grandes aliados nesse percurso está a brasileira Odebrecht.

Para Soares, não se pode falar do presidente angolano como um ditador à moda antiga, já que este soube seguir os sinais do seu tempo. “No contexto do pós-Guerra Fria, muitos Estados que eram autoritários à antiga tiveram que se redefinir e reinventar num contexto em que a expectativa geral era a expectativa de fazer eleições e viver a democracia. Os estudiosos de ciência política definiram categorias como semiautoritarismo, sistema político híbrido… Tudo isso é um modo de tentar explicar o fato de que alguns Estados autoritários conseguiram adaptar-se a algumas das estruturas da democracia, por exemplo, fazendo eleições de quatro em quatro anos, mas, longe de serem fragilizados, conseguem pô-las ao serviço da perpetuação da ditadura”.

Leia a 1ª parte da entrevista do professor à Pública

No final da guerra civil, em 2002, dizia-se muito que “Angola começa agora”. Foi mesmo um novo começo? O que marcou a história do país depois da guerra?

Não há dúvida nenhuma que houve uma certa esperança que foi gerada a partir do fim da guerra em todos os angolanos, incluindo os que tinham apoiado a Unita. Os angolanos viram 2002 como uma espécie de renascer. E rapidamente – não em 2002, mas em 2003 e 2004 – houve várias dinâmicas que deram esperança às pessoas. A principal dinâmica obviamente é o fato de o preço de petróleo ter subido muito, muito rapidamente. O preço do petróleo estava cerca de US$ 22, 23 em 2002 e chegou a US$ 147 dólares em 2008. Ou seja, houve uma dinâmica de enriquecimento do Estado angolano através das receitas petrolíferas, e o Estado por sua vez começou a dizer à população que essa prosperidade ia ser para todos. Que a reconstrução de Angola ia ser também a criação de uma sociedade justa e mais próspera para todos. Daí que durante vários anos muitos angolanos partilharam de um certo otimismo.

Hoje esse otimismo está no fim, segundo alguns críticos. Qual o motivo para isso?

Em primeiro lugar, temos que ter uma noção realista do que foi o processo de reconstrução. O processo de reconstrução não foi só mau. Qualquer pessoa que conhecesse Angola em 2002 percebe que algumas coisas melhoraram. Algumas infraestruturas foram reconstruídas, há esse grande benefício da paz, há 13 anos não há uma guerra em Angola, um país que antes esteve em guerra durante 41 anos. Por conseguinte nem tudo é negativo. Mas, olhando retrospectivamente, não podemos deixar de pensar em 2015 que isso foi uma oportunidade perdida. E que essa prosperidade que foi gerada – estamos a falar em recursos absolutamente extraordinários – não foi uma prosperidade que tenha beneficiado a vasta maioria dos angolanos.

[José Eduardo dos Santos] entrou na era da paz com um poder muito maior do que qualquer presidente africano

No seu livro, o senhor diz que a redução da pobreza não faz parte dessa história pós- guerra. Os indicadores sociais pioraram?

Eu não penso que pioraram. Não é uma questão de piorar, mas de comparar os recursos disponíveis de um lado, o tamanho relativamente limitado da população angolana, com 24 milhões de habitantes, menos do que o estado de São Paulo, e o que se poderia ter feito com esses recursos. Não se poderia ter tornado Angola em uma Dinamarca em dez anos, mas se poderia ter dado um nível de vida muito bom à maioria dos angolanos. Isso não aconteceu. A maior parte desses benefícios foi monopolizada por um grupo relativamente limitado de angolanos. E nesse sentido nós temos que distinguir entre a retórica do regime e a realidade da governação nos últimos dez anos. Do ponto de vista retórico, o regime tem um grande compromisso com o aliviamento da pobreza. Sua linguagem é toda uma linguagem da qual você não discordaria. Mas a realidade é outra. E nem sequer é uma realidade que eu tenha que interpretar enquanto analista. Ela aparece até no discurso do presidente. Ele admite que o grande objetivo da primeira década foi favorecer o que ele chama uma “burguesia nacional”. Um grupo relativamente estreito de angolanos que, por razões do regime, receberam a parte do leão dos benefícios da paz e do petróleo.

Em uma recente entrevista ao jornal português Público, você afirmou que “hoje em dia o presidente angolano tem um poder quase sem precedentes na África contemporânea”.

O presidente chegou ao poder em 1979. E ao longo dos 23 anos seguintes, até 2002, quando acabou a guerra civil, houve em Angola uma espécie de estado de emergência permanente. Esse estado de emergência permitiu ao presidente acumular um poder decisório que normalmente nunca teria. Porque tem outras forças até nas elites que teriam contrabalançado esse poder. O presidente usou esse estado de exceção para pouco a pouco ir monopolizando todas as grandes decisões através do controle da Sonangol, a companhia petrolífera angolana, que é importantíssima, é a segunda maior companhia em África, e através do controle das forças de coerção, o Exército, a inteligência, a polícia etc. Por meio desses instrumentos, o presidente conseguiu controlar toda a economia política dos anos de guerra. Em 2002 ele entrou na era da paz com um poder muito maior do que qualquer presidente africano. Os regimes africanos são normalmente mais fragmentados, e o presidente é um gestor de interesses mais alargados. Já o presidente José Eduardo dos Santos, de Angola, é um homem realmente poderoso, pois toma decisões individualmente.

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