“Quero revelar o amilcariano que há é mim”, pode-se ler numa das 53 cartas enviadas por Amílcar Cabral à namorada e primeira esposa Maria Helena Vilhena Rodrigues que são tornadas públicas no livro “Cartas de Amílcar Cabral a Maria Helena – a outra face do homem".
A obra, publicada pela editora Rosa de Porcelana, reúne cartas que o líder histórico da luta pela independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde escreveu de vários lugares à amada da sua juventude, branca e portuguesa, entre 1946 e 1960.
As cartas foram cedidas por Iva Cabral, a primeira das duas filhas do casal e que assina a edição da obra, juntamente com Filinto Elísio e Márcia Souto.
O companheiro de Cabral, o cabo-verdiano Pedro Pires, a escritora são-tomense Inocência Mata e o sociólogo guineense e secretário-executivo da Comissão Económica para a África das Nações Unidas, Carlos Lopes, escrevem, a abrir, a obra, que é apresentada nesta sexta-feira, 12 de Fevereiro, na cidade da Praia, em Cabo Verde.
“A leitura das cartas transmitiu-me o sentimento de como se estivéssemos numa sala de teatro com duas personagens, uma mulher e um homem que se amavam, que se confrontavam num diálogo intenso e rico, em que um e outro manifestavam as suas certezas de dúvidas, expunham as suas razões e argumentos para confirmar ou duvidar da viabilidade do projecto de união de vida em comum”, escreveu aquele que foi um dos mais próximos colaboradores de Cabral ainda vivo, Pedro Pires.
"Nós quisemos mostrar um Cabral antes do Cabral que toda a gente conhece", afirma Filinto Elísio em conversa com a VOA ao apresentar as cartas em que Amílcar “revelar as suas preocupações, angústias, emoções, sentimentos amorosos, mas também as suas causas e as formas de ambos crescerem juntos”.
Aquele editor lembra que as cartas revelam um jovem de 22, 23, 24 anos que abre o seu coração “à amada”, mas com uma “escrita de estilo vincado e um discurso do tempo histórico”, que ajuda a entender a época de então, mas também o amor.
Africano negro e portuguesa branca, Amílcar e Lena, respectivamente, foram os primeiros a “quebrar uma tradição no curso de Agronomia”, como explica Filinto Elísio.
“Amílcar foi o primeiro negro e Lena a primeira mulher a entrarem para aquela escola de elite e patriarcal em Portugal, que foi palco do nascimento dessa relação.
Entre 1949 e 1960, o período em que as cartas agora publicadas foram escritas, os temas são variados, como o regime do apartheid e a luta que, mais tarde, Amílcar viria a protagonizar.
“Era um diálogo profícuo de causa”, sublinha Filinto Elísio que reforça a necessidade de “sem mistificar Cabral, valorizar ainda mais o homem que, mesmo através de um aspecto ordinário, como escrever cartas, revelou-se extraordinário”.
Ao ceder as cartas, a filha e historiadora Iva Cabral quis dar a conhecer o outro lado do pai e homenagear a mãe.
Amílcar Lopes Cabral e Maria Helena Vilhena Rodrigues separaram-se em 1966.
Cabral viria a casar-se com Ana Maria Cabral, que vive actualmente em Cabo Verde.
Depois do lançamento hoje na Praia, a obra será apresentada em Luanda no dia 26 e em Lisboa a 18 de Março.
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