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Moçambique: Bolsas de fome persistem e autoridades reconhecem gravidade no distrito de Manica


A população local de Manica clama por uma ajuda urgente das autoridades, destacando que as crianças são as mais prejudicadas nesta crise de fome.

Milhares de pessoas estão a enfrentar uma crise crítica de fome e a recorrer a algas e tubérculos silvestres retirados de lagoas sazonais para se alimentar no distrito de Tambara, norte da província moçambicana de Manica, onde as autoridades reconhecem a gravidade da situação.

A situação ocorre seis meses depois de o Governo de Manica ter assegurado estar garantida a segurança alimentar e nutricional em toda a província.

Em Agosto de 2023, os dados do Executivo de Manica indicavam um balanço alimentar positivo (excedente) de 1.8 milhão de toneladas de alimentos, quase o dobro das necessidades para alimentar 2.298.753 mil habitantes na província.

Recurso a tubérculos

As bolsas de fome na província de Manica estão a atingir três distritos cíclicos, nomeadamente Guro, Machaze e Tambara, este último numa situação mais crítica, estando a população a recorrer a algas e tubérculos silvestres para sobreviver.

“A fome está a provocar-nos um grande sofrimento. As crianças vivem chorando, por falta de alimentos, por isso, temos procurado tubérculos nas lagoas para aliviar a fome, e conseguir ter sono durante a noite”, declarou à Voz da América, Daniel Tcheca, um morador do povoado de Mbuduhuwe.

Neste povoado, a seis quilómetros da sede distrital de Tambara, dezenas de mulheres perfilam nas lagoas para colher 'Nhica' – um tubérculo que se desenvolve nas águas sazonais estagnadas e que a população ferve para poder ingerir -, o único recurso para as famílias resistirem à fome severa.

A população local clama por uma ajuda urgente por parte das autoridades, destacando que as crianças são as mais prejudicadas nessa crise de fome.

Outro morador de Nhacolo, Ezequiel Dule, afirmou que a maioria da população vive da agricultura e a falta de chuva está a condicionar a produção agrícola. Atualmente o único recurso para sua sobrevivência são os tubérculos silvestres, diz o residente.

“Estamos realmente a sofrer com a fome. Isto de procurar tubérculos nas lagoas é uma forma de tentar resistir e sobreviver. Esta fome é oresultado de uma seca severa”, frisou Ezequiel Dule, acrescentando que “a situação vai piorar se não houver intervenção, porque os tubérculos vão acabar”.

A maior parte dos camponeses está a abandonar a agricultura para se dedicar à procura dos tubérculos silvestres para sobreviver.

Ensino afetado

Por sua vez, Anita Tamussene, outra moradora de Tambara, notou que a crise de fome está a afetar o ensino das crianças, visto que, devido ao seu estado frágil por falta de uma alimentação apropriada, faltam às aulas ou não conseguem assimilar as matérias, porque “ficam a sonecar” durante as aulas.

“As crianças não estão a ir à escola devido à fome. Elas estão frágeis e quando vão à escola já não prestam atenção às aulas devido à fome. Enquanto o professor fala ele soneca por causa da fome, não há aproveitamento escolar”, explicou Anita Tamussene, que alerta: "se o Governo continuar a negligenciar a situação da fome, vamos morrer”.

O Governo distrital de Tambara reconhece a gravidade da situação, sublinhando que a seca severa destruiu culturas alimentares, empurrando a população para a falta de alimentos.

“Na verdade, estamos mesmo neste caminho da fome, porque, aqui, só choveu uma vez”, esclareceu Pita Doa, administrador distrital de Tambara, em declarações por telefone à Voz da América.

As autoridades moçambicanas estimam que 400 mil pessoas estejam em situação extrema de carência alimentar, mas organizações da sociedade civil continuam a advertir para uma realidade muito mais preocupante, visto existirem casos de fome um pouco por todo o país. As críticas contrariam o ministro moçambicano da agricultura relativamente à disponibilidade de alimentos.

Em Março de 2023, o ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural, Celso Correia, garantiu: “90 por cento da população já consegue ter três refeições por dia”. O ministro afirmou não existirem registos de bolsas de fome em Moçambique.

Mariam Abbas, investigadora do Observatório do Meio Rural (OMR), alertou que Moçambique vai continuar a observar bolsas de fome, apesar do discurso oficial.

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