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Angola e FMI : Fim ou prolongamento do impasse ?


Por duas vezes em menos de uma semana, duas altas individualidades angolanas, primeiro o ministro das Finanças, José Pedro de Morais e depois o Presidente José Eduardo dos Santos questionaram o "approach" que o FMI vem manifestando nas negociações com Angola relativas ao estabelecimento de um programa monitorado, e a forma como isto compromete a realização da conferência de doadores.

Não é a primeira vez que autoridades angolanas escolhem o “contra-ataque". Há três anos, e em meio a uma negociação ininterrupta de mais de 24 meses relativa a um acordo para um programa monitorado, o Presidente José Eduardo dos Santos foi mais duro. A uma pergunta da Voz da América sobre o que achava da exigência do FMI em saber dos meandros da obtenção e aplicação de empréstimos garantidos com petróleo, José Eduardo dos Santos respondeu: "O governo deve prestar contas sobre a utilização destes recursos aos outros órgãos de soberania, e não ao FMI".

Desta vez José Eduardo dos Santos foi mais "soft". Sugeriu que apesar do desencanto provocado pelas posições que a comunidade internacional toma em relação à conferência de doadores, o seu governo vai continuar a bater-se pela mesma. "(..) Está claro que não vamos desistir, continuaremos as nossas diligências (...)” ·

As diligências angolanas, segundo fontes oficiais contactadas pela Voz da América, vão da solicitação de melhor compreensão por parte do FMI em relação aos problemas de Angola no processamento de informação, à natureza do que poderá ser o próximo acordo entre as duas partes. Por outras palavras, José Eduardo dos Santos foi brando, mas quando John Shields e os seus colegas do FMI desembarcarem em Luanda para a próxima ronda de consultas, deverão encontrar um governo disposto a ouvir, mas sobretudo disposto a bater o pé.

Fonte oficial angolana disse que a posição do FMI relativa ao volume de informação que recebe , e que em última instância compromete um acordo, colide com o que Angola pode oferecer.

"Temos debilidades institucionais que têm que ser levadas em conta. Por outro lado, o próprio FMI é lento a responder aos nossos pedidos de assistência técnica. Entendemos a burocracia que envolve a actuação do FMI, mas a verdade é que eles também têm sido lentos. Vejamos um aspecto: o programa de combate à pobreza está em discussão há mais 3 anos!” ·

A fonte acrescentou que a generalidade dos países africanos precisaria de 3 anos para colocar à disposição do FMI os dados que Angola apresentou. “O FMI exige de Angola gestão semelhante a de um país normalizado, o que não é razoável".

Para observadores em Washington a posição que Angola é de alguma forma inspirada em dois aspectos: desempenho da economia nos dois últimos anos, e o empréstimo de 2 biliões de dólares que obteve junto da China.

Enquanto isso funcionários angolanos notaram que a reviravolta que se assiste na economia, é resultado de um programa feito exclusivamente com recursos do estado angolano.

"O FMI não veio, mas nós não paramos. Fizemos a desmobilização, integramos mais de 30 mil professores e enfermeiros, enfim não paramos".

Os mesmos observadores notam um dado importante: à frente das Finanças de Angola está José Pedro de Morais que serviu o FMI durante 4 anos, e que no seu regresso ao governo concluiu a execução de um orçamento e viu aprovados outros dois, coisa que não acontecia em Angola há muito tempo.

"Indicia alguma estabilidade".

De todos os ganhos registados, as autoridades angolanas estão mais encantadas com o que se passa ao nível da macroeconomia. “Em dois anos, a inflação acumulada baixou de 115 para 30 por cento. A nossa meta é chegar a 1 digito até final do ano". Salvo grandes imponderáveis, Angola poderá atingir este objectivo num espaço de 18 a 24 meses. “Se o conseguirmos fazer sozinhos, qual será o significado de um acordo com FMI?".

Observam também que o volume de receitas fiscais cresceu.

"Admitimos que a variação do preço do petróleo tenha ajudado, mas não há dúvidas que o número de contribuintes sob controlo do estado é muito maior do que era há dois anos".

Perante estes e outros resultados, já não é claro para Angola se o que precisa agora é o programa monitorado que há mais de 3 anos vem negociando com o FMI, ou outra coisa .

“O que nos fizemos nos dois últimos anos, foi na verdade um programa monitorado. Vamos ver se o que eles nos oferecerem é exequível ou não.” ·

Fonte governamental angolana sugeriu que o FMI tem no seu formato várias alternativas.

“O home grown program, isto é - programa criado em casa- poderia ser uma alternativa. O problema que se põe é que o FMI não só nunca ofereceu um programa destes a nenhum país africano, como exige que as coisas sejam feitas com base nos seus números. Ora bem .. nós não acreditamos que o ritmo para estabilização económica defendido pelo FMI seja o mais adequado". .

Os desencontros entre Angola e o FMI não se esgotam aqui. Luanda não se conforma, por exemplo, com a natureza de algumas exigências.

“O FMI insiste em ver Angola como um país semelhante a muitos outros. Os bancos e os investidores não o fazem. Os bancos acabam por ser mais "softs" do que países com influência no FMI".

Fontes familiares às consultas entre Angola e o FMI admitem ter sentido alguma mudança nas posições do Fundo, para o que terão concorrido as declarações de JPM, e de José Eduardo dos Santos.

Falando na abertura da última reunião do CC do MPLA o presidente de Angola sugeriu a dado passo que a par das negociações com o FMI um "plano B" será executado: "Os países mais influentes da comunidade internacional hesitam até hoje, e condicionam injustamente a conferência de doadores a contrapartidas de natureza política e económica." Está claro que não vamos desistir, continuaremos as nossas diligências (...) .

A sugestão do Presidente de Angola, e as declarações que o ministro das Finanças fez dias antes, aparentemente terão provocado alguns resultados.

O primeiro sinal de boa vontade do FMI teria sido o "draft" do relatório do artigo 4 que deveria ser submetido ao "board" do FMI nesta sexta-feira 4 de Março. Fonte que teve acesso ao documento diz que o mesmo configura uma sugestão aos membros do "board" para que aprovem a passagem à fase seguinte. A fonte admite que este é o melhor relatório dos últimos três anos. "Falam de algumas insuficiências, reconhecem o mérito do que Angola conseguiu até aqui, e pela primeira vez em muitos anos, não lançam ataques ao governo em matéria de corrupção".

Do lado do Banco Mundial também terão partido alguns sinais. As autoridades angolanas receberam de bom grado a notícia da aprovação pelo Conselho de Administração do Banco Mundial, do Interim Strategic Note-INS- disposição que define os mecanismos de intervenção do BM em Angola, e que conforma as linhas de execução da estratégia de transição.

O BM aprovou há menos de duas semanas um crédito de 51 milhões de dólares para Angola.

Se mais alguma coisa terá influenciado a posição destas instituições, sobretudo do FMI, é segundo algumas fontes a crescente penetração da China no mercado angolano, reforçada com a visita que o vice-primeiro ministro chinês Zang Peyan realizou recentemente a Angola.

Fontes do FMI recusaram-se a comentar para a Voz da América o estado das negociações com Angola.

OS TRUNFOS DE ANGOLA

Qualquer que venha a ser o rumo e a data do recomeço das negociações com o Fundo Monetário Internacional, as autoridades angolanas não parecem dispostas a abrir mão daquilo que entendem ser os seus trunfos.

Estes trunfos são os resultados de um programa de recuperação económica "executado exclusivamente com recursos do governo de Angola".

Aqui vão as principais reivindicações de Angola:

- Redução em dois anos da taxa de inflação, de 115 para 30 por cento. - Fim do financiamento do déficit com recurso à emissão monetária - Gestão de expectativas inflacionárias, por via da qual, o Kwanza voltou a ser principal meio de pagamento e de tramitação de trocas. "Hoje ninguém quer dólares nas mãos". - Aumento das receitas fiscais, e aumento do número de contribuintes. -Estabilização de preços, com reflexos positivos no comportamento da indústria, e da agricultura. - Conciliação de contas entre o Tesouro e o Banco Nacional. - Melhoramento da gestão das receitas petrolíferas.

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