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Impressionantes esculturas de metal  - 2004-12-30


Final de uma sexta-feira em Maputo. Um pequeno grupo de artistas e músicos da o “pontapé de saída” para o fim de semana. Relaxam fumando e bebendo umas cervejas no quintal traseiro do estúdio onde trabalham. A conversa é algumas vezes animada, outras menos, mas sempre bem humorada.

Trata-se do Núcleo de Artes, onde algumas das mais impressionantes esculturas de metal são criadas. A galeria principal e um vagamente delapidado prédio cinzento. A sua volta estão os espaços de trabalho dos artistas onde pinturas e esculturas meio acabadas jazem a volta como convidados surrealistas da “happy hour”.

Algumas das esculturas são feitas de armas. Uma pirâmide de dois metros de altura é formada por carregadores de balas de pistola. Um pássaro é feito de um cano retorcido de uma espingarda AK-47. São produtos de um programa único para dar uma utilidade às armas que sobraram da guerra civil de 16 anos em Moçambique.

O escultor de armas Hilário NHATUGUEJA especializou-se em fazer pássaros.

“Essas são armas que nos fizeram sofrer. Essas armas mataram as nossas famílias. Essas armas que trouxeram sofrimento…..foram instrumentos usados para matar pessoas, hoje se tornaram algo que pode demonstrar as pessoas quais são os nossos sentimentos, como odiamos a guerra. O que foi antes um instrumento para matar, agora é uma peça de arte para se apreciar. Algo para ser contemplado.”

O programa de recolha de armas de Moçambique e único em muitos aspectos. E patrocinado pelo Conselho Cristão de Moçambique (CCM), um grupo formado por 24 igrejas cristãs.

Quando os aldeões encontram um esconderijo de armas ou alguém pretende entregar uma arma na sua posse, notificam o CCM. Uma equipa é enviada para destruir as armas onde elas foram encontradas. Depois, se sobrarem partes dessas armas elas são entregues aos artistas para construírem as suas esculturas que vendem por milhares de dólares.

Em troca pelas armas, os aldeões recebem ferramentas e outros bens para ajudar a melhorar as suas vidas. Algumas vezes, recebem maquinas de costura, outras bicicletas.

O administrador do Conselho Cristão de Moçambique, Titos Macia, disse que o objectivo é limpar Moçambique de um grande numero de armas ligeiras que permanecem uma ameaça à estabilidade do país, mesmo depois de 12 anos de paz.

“Uma das mensagens que transmitimos as pessoas é que ter uma arma é como ter uma cobra. Não se pode domesticá-la. A qualquer momento ela pode virar-se e morder. Por isso desfaça-se da arma”, afirmou Macia.

O CCM desempenhou um papel chave em acabar com a guerra civil em Moçambique em 1992 e desde então o grupo lançou vários programas destinados a promover a reconciliação e a cicatrizacao das feridas. Um dia, num “workshop” na província nortenha de Nampula, uma mulher perguntou o que fazer com todas essas armas nas aldeias.

Ninguém teve uma resposta. Mas, mais tarde alguém do CCM lembrou-se de uma passagem da Bíblia, no Livro de Isaias, sobre a troca de espadas por charruas, e a ideia nasceu.

Analistas e activistas que lidam com o comércio de armas ligeiras em África, de um modo geral, consideram o programa moçambicano um sucesso tremendo. Já se passaram nove anos e as igrejas já recolheram cerca de 600 mil armas e milhares de munições.

“Os sucessos julgo que estão para além da nossa imaginação, tanto em termos de quantidade de armas que recolhemos, assim como o impacto que teve na vida das pessoas e na sociedade em geral.”

Especialistas em desarmamento afirmam que o programa de Moçambique funciona melhor que os tradicionais programas de entrega de armas, onde as pessoas recebem dinheiro pela devolução das suas armas, porque esses programas muitas vezes permitem que as pessoas entreguem armas velhas e danificadas e obtenham dinheiro bastante para comprar armas novas.

O secretario-geral do Conselho Cristão de Moçambique, Reverendo Dinis Matsolo, afirma que o programa nunca teria funcionado se não tivesse tido o apoio das pessoas.

“Fundamentalmente, o envolvimento das pessoas foi crucial. Penso que a coisa mais importante que aprendemos é que a paz para ser sustentável de todo, terá de ter o envolvimento das comunidades.”

Quando teve inicio, o programa moçambicano foi único, em parte porque envolvem igrejas cristãs que recolhem e destroiem as armas. Até então, noutros países, isso tinha sido um trabalho para a policia ou o exercito. O CCM sentiu que muitas pessoas, especialmente antigos rebeldes, estariam muito mais desejosos de entregar as suas armas as igrejas em vez de ao governo.

Mas o grupo trabalha com o apoio de pessoal de vários departamentos governamentais para garantir que as armas estão a ser entregues de uma forma segura. Trata-se de uma parceria entre as igrejas e o estado.

A investigadora de armas ligeiras Clare Jefferson do grupo Safer África, baseada em Pretória, África do Sul, disse que libertar o continente da praga de armas ligeiras requer que os governos e a sociedade civil trabalhem em conjunto.

A senhora Jefferson afirma que acabar com o comércio de armas ligeiras e reduzir os “stocks” existentes, requerem não apenas programas tais como o de Moçambique, mas também esforços coordenados a nível nacional, regional e global.

Em muitas partes de África, isto está a acontecer lentamente. Uma série de países africanos desenvolveu planos de acção nacionais e apertaram as suas leis para regular as armas ligeiras dentro das suas fronteiras, e muitos outros países estão a trabalhar em programas idênticos. Tanto a União Africana como grupos sub-regionais, tais como a SADCC, tem protocolos destinados a controlar o trafico fronteiriço de armas. O mesmo sucede com as Nações Unidas.

A maioria dessas medidas é baseada em princípios similares. Incluem restrições sobre como que é que as armas podem ser vendidas e como e que podem ser usadas. Essas medidas cobrem a recolha é a destruição de armas.

Mas a implementação desses protocolos internacionais tem sido um processo lento e algumas vezes frustrante para aqueles envolvidos nas tarefas de controlo de armas. A senhora Jefferson afirma contudo que são importantes primeiros passos no que será um longo processo.

“Os progressos que tem sido feitos, embora de uma forma lenta, penso que são para durar, estou optimista e penso que o futuro será melhor do que foi o passado. Mas penso que quem esperar ver um impacto em médio prazo poder ficar desiludido. Julgo que devemos criar um horizonte de 20 a 30 anos. Esta se mover lentamente, mas esta a seguir em frente.”

De volta a Moçambique, o processo está ainda em curso. Nove anos depois de ter começado o programa de recolha de armas e com mais de 600 mil armas e balas destruídas, há partes do país aonde o programa ainda não chegou.

Isso inclui a província nortenha de Nampula, onde a tal aldeã perguntou o que fazer com todas essas armas. O Conselho Cristão de Moçambique disse esperar começar finalmente a recolher e destruir armas em Nampula em 2005.

Entretanto, uma nova escultura feita com armas por artistas moçambicanos acaba de se exposta no Museu Britânico em Londres. A escultura tem por titulo “Arvore da Vida”.

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