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Em Moçambique, a  maioria não se deslocou às urnas  - 2004-12-03


Em Moçambique, a maioria dos cerca de nove milhões de eleitores não se deslocou às urnas nas terceiras eleições multipartidárias do país que ontem terminaram, apanhando o país de surpresa e obrigando a múltiplos apelos ao voto.

A forte abstenção, que estimativas não oficiais situam acima dos 50 por cento, provocou fortes reacções de preocupação por parte de responsáveis eleitorais, dirigentes políticos e, até, de líderes religiosos que se desdobraram durante o último dia da votação em apelos à participação eleitoral.

Ante este inesperado cenário, o candidato da oposição, Afonso Dhlakama não perdeu tempo em acusar o partido no poder, a Frelimo de ter cometido fraude.

“Impossível que estas eleições sejam livres e justas. Está claro e isto não é propaganda... está claro...”

As acusações não são novas. Repete-se a cada cinco anos. Já em 1994 e 1999, Afonso Dhlakama acusara a Frelimo de ter viciado as eleições, apesar dos observadores internacionais reconhecerem na altura, a transparência do processo eleitoral. Dhlakama perdeu as eleições presidenciais de 1999, por uma estreita margem a favor do seu então principal rival, o actual presidente Joaquim Chissano.

Para o líder da Renamo, desta vez muito mais do que ganhar as eleições, o importante é que elas sejam justas e transparentes.

“Se não for o vencedor das eleições ? Bem, sou um democrata. O importante aqui não é se vou ou não ganhar... Para mim, o importante é a transparência do processo. Porque, posso ganhar ou perder... Não estou chorando para que ganhe. O mais importante é pedir às pessoas que votem por mim. Porque sinto que conseguiria fazer melhor na liderança deste país.”

Para sustentar as suas acusações de falta de transparência na forma como as eleições decorreram, Afonso Dhlakama cita casos em que a policia em vários distritos eleitorais teria impedido os representantes do seu partido de pernoitarem com as urnas. A velha estratégia de olho por olho, num país cuja democracia ensaia ainda os primeiros passos rumo a transparência.

Aquele líder, e candidato da oposição, acusa ainda a comissão eleitoral de ter falhado em não criar as condições para abertura a tempo de algumas assembleias de voto.

Das cerca de 13 mil assembleias de voto em todo o país, sabe-se que 37 não conseguiram abrir, cabendo agora a comissão eleitoral decidir o que fazer com os cerca de 37 mil eleitores que não puderam votar e que Dhlakama reivindica como potenciais votantes na sua candidatura e no seu partido, a Renamo.

Noticias dão igualmente conta que em determinadas áreas, os funcionários da comissão eleitoral tiveram que fazer recurso a canoas e helicópteros para levarem os boletins de voto as áreas isoladas.

Mas o que mais preocupa as missões de observação internacional é o facto de lhes ter sido vedado o acesso ao acompanhamento da fase final da contagem dos votos, como entendeu a comissão eleitoral moçambicana.

Afonso Dhlakama, o líder rebelde que se tornou num dos mais influentes políticos da oposição moçambicana adverte não poder prever o que os seus apoiantes fariam, se descobrissem que, e citamos, fomos roubados.

“Se acontecer fraude, eu direi ao meu povo, bem perdi porque me roubaram. As pessoas vão então decidir como reagir... Mas se as eleições forem livres, transparentes e justas e as pessoas não votarem em mim, então não haveria problema. Foi porque as pessoas acharam não ser ainda o momento de Dhlakama ser presidente. Mas se eu ganhar e mesmo assim roubarem como fizeram em 1994 e 1999... aí a situação seria difícil. Não porque seja eu a torná-la difícil. E claro as pessoas iriam insistir nos seus direitos.”

Alguns analistas desenham como provável, um cenário em que nenhum dos candidatos conseguiria os 50 por cento dos votos necessários expressos nas urnas, para cantar a vitoria, forçando assim a realização de uma segunda volta eleitoral.

A já conhecida fraca participação poderá ter reflexos nos resultados finais não obstante ninguém se atrever a avançar com o prognóstico sobre qual dos dois partidos sairá beneficiado, uma vez que abstenção foi generalizada em todo o país.

No caso das eleições presidenciais, que decorreram em simultâneo com as legislativas, a baixa votação poderá ainda obrigar à realização de uma inédita segunda volta, prolongando um processo que começou a 17 de Outubro pelo ano de 2005 adentro.

Numa conferência de imprensa já após o fecho das urnas, o porta-voz da Comissão Nacional de Eleições , Filipe Manjate recusou comentar a situação, afirmando que aquele órgão, e citamos, ainda não fez uma reflexão por ainda não dispor de dados.

Mas na véspera, no primeiro dia de votação. Manjate reconheceu que a afluência deixava muito a desejar.

Numa entrevista à VOA, o candidato do partido no poder, Armando Gebuza, manifestou-se confiante na vitoria e acredita que não será necessária uma segunda volta para definir o sucessor de Chissano que decidiu abandonar o poder, após 18 anos à frente dos destinos dos moçambicanos.

“A minha forte impressão é esta, a menos que tenhamos surpresas, tudo ficará resolvido na primeira ronda. Penso que estão conscientes do que fazer e em quem votar...”

Nenhum dos candidatos deixa entretanto de reconhecer que o Moçambique de hoje, está profundamente dividida entre os apoiantes da Renamo e da Frelimo. Com o partido da perdiz a dominar a região do centro e do norte do país, nomeadamente as províncias de Sofala e Nampula, e a Frelimo a controlar o sul.

Confrontado com a questão se os apoiantes da Frelimo aceitariam de animo leve uma eventual vitoria da Renamo, Armando Gebuza, foi no mínimo evasivo.

“A minha crença é de que as pessoas estão maduras para compreenderem o impacto da democracia nas suas vidas. Vão decerto continuar a fazer questão de serem livres, de continuarem a ter uma real vida em democracia. E há paz. A paz é muito importante para os moçambicanos.”

Bem feita as contas, Moçambique como país, tem pelo menos 12 anos de vivência em paz e 10 anos de experiência democrática multipartidária e raros são os moçambicanos que acreditam que alguma vez a paz estivesse estado em perigo nos últimos anos.

Mas Armando Gebuza acredita nunca ser demais voltar a bater sempre que necessário na tecla da importância da paz para os moçambicanos.

“Não realmente... as pessoas não falam disso... Mas o facto é que no nosso subconsciente, todos nos, seja por quem quer que votemos, ou façamos algo, temos sempre em consideração qual das nossas opções daria melhores garantias à continuidade da paz.”

Ao fim do dia de ontem, vários populares, sobretudo na capital Maputo expressaram à VOA a sua preocupação quanto à possibilidade do líder da Renamo, Afonso Dhlakama vir ou não a aceitar os resultados.

César José, um jovem estudante de 22 anos, disse a propósito não ter ficado convencido com as reclamações do líder da oposição, Afonso Dhlakama.

“As eleições moçambicanas decorreram num clima de tranquilidade, sem incidentes graves nem vítimas e com poucos casos de ilegalidade reportados publicamente pelas missões de observadores moçambicanos e internacionais e pelos órgãos eleitorais.”

Segue-se agora o longo período de contagem de votos que terá que ficar concluído até 17 de Dezembro, último dia do prazo para a divulgação de resultados.

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