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Clamores por Justiça em Timor Leste


Três homens encontram-se debaixo de uma casinhota de bambu. Fazem feitiços para chamarem a alma de Fernando da Costa de regresso à casa dos seus antepassados.

José da Costa, o pai de Fernando, explica que há dez anos que procura o corpo do filho, que desapareceu quando tinha 28 anos, mas nunca o encontrou.

Os leste timorenses acreditam que uma maldição aflige as famílias dos que morreram sem funeral próprio, pelo que esta cerimónia serve para, simbolicamente, dar finalmente paz à alma de Fernando e sossego à sua família.

Mas a alma de Fernando não é a única que anda à solta por Liquiça. Esta é uma vila assombrada pelo passado.

Em Abril de 1999, os soldados indonésios e milícias timorenses atacaram uma igreja desta vila, onde dois mil residentes se encontravam refugiados. Entre 30 a 100 destes residentes foram mortos, e os seus corpos levados para parte incerta. O massacre teve lugar uns meses antes do referendo pela independência. As forças indonésias queriam intimidar os potenciais eleitores pró-independência.

José Nunes Serrão foi um dos que escapou. Mas continua a exibir uma recordação desse dia: uma grande cicatriz que vai de meio do pescoço acima da maçã do rosto, quando um machado de um miliciano quase lhe decepou a cabeça.

José quer que os que foram responsáveis pelo seu sofrimento sejam levados perante a justiça – e não apenas os soldados, mas especialmente os líderes do exército indonésio que ordenaram o massacre. Doutra forma, diz ele, não haverá como evitar que o mesmo se repita.

Mas 10 anos mais tarde, ele receia que os responsáveis nunca serão apresentados a tribunal.

A Unidade de Crimes Graves das Nações Unidas indiciou mais de 390 pessoas por crimes contra a Humanidade praticados em Timor Leste. Até agora apenas 87 foram julgados. E dos 84 considerados culpados, apenas um está ainda na prisão. Todos os outros receberam perdões presidenciais.

Charlie Scheiner é um analista de uma organização que observa as instituições cívicas e sociais em Timor Leste. Ele diz que a política internacional explica porque foram tão poucos os julgados por abusos dos direitos humanos.

"Timor Leste não poderá sobreviver sem ter boas relações com a Indonésia. Não porque a Indonésia vá invadir, mas porque no ano passado, por exemplo, 40% das importações vieram da Indonésia. A água potável é fornecida pela Indonésia, as coisas que as pessoas usam são da Indonésia. Os dirigentes em Timor Leste dão prioridade a esta amizade."

Os dirigentes leste timorenses, muitos deles antigo líderes rebeldes que lutaram contra Indonésia, encaram a reconciliação com o antigo ocupante como mais crucial para o futuro do país do que uma acção judicial para enterrar fantasmas da violência do passado. Pedem aos leste timorenses que "esqueçam e perdoem" crimes do passado.

A política da amizade funcionou, e os dois países têm boas relações. O primeiro-ministro leste timorense, Xanana Gusmão, antigo líder guerrilheiro pró-independência, chegou a apertar a mão com o general indonésio Wiranto, acusado de crimes contra a Humanidade em Timor Leste.

Mas a política não satisfaz algumas das vítimas das atrocidades indonésias, como Liza da Silva dos Santos, outro dos sobreviventes do massacre de Liquiça.

Liza diz que eles derramaram sangue pela independência, para os dirigentes se sentarem agora nos seus escritórios em Dili. Acrescenta que se soubesse que isto iria acontecer, teria dito ao marido dela para não apoiar o movimento independentista. Pelo menos estaria ainda vivo e poderiam ser felizes juntos.

Louis Gentile representa o Alto-comissário da ONU para os Direitos Humanos em Timor Leste. Ele diz que o sistema legal para julgar os crimes contra a humanidade teve problemas desde o princípio, por não proporcionar um mecanismo para julgar os que se encontram fora do país.

"Agora a única esperança é uma interpretação mais alargada e uma evolução na lei internacional, cuja progressão é no sentido de uma jurisdição internacional pelos crimes cometidos contra a Humanidade e pelos crimes de guerra. E este é o dever de todos os que acreditam na justiça e na prevenção dos mais graves tipos de crime, um sistema criado parcialmente pelas Nações Unidas após a Segunda Guerra Mundial, mas que não consegue impedir esses crimes."

Por agora parece improvável uma mudança na política governamental de Dili. Recentemente, a Amnistia Internacional pediu a criação de um tribunal internacional para julgar crimes contra a Humanidade praticados em Timor Leste. Mas o presidente leste timorense e prémio Nobel da paz, José Ramos Horta, rejeitou esta ideia.

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