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Amílcar Cabral Assassinado em “Feudo” Racial – Documentos dos EUA


Menos de um mês após o assassinato de Amilcar Cabral os Estados Unidos concluíram que Portugal não esteve directamente envolvido na sua morte, revelam documentos oficiais tornados públicos Segunda-feira.

Contudo os "Serviços de Informações e Investigação" do Departamento de Estado concluíram também que a "cumplicidade de Lisboa" no assassinato do dirigente nacionalista "não pode ser excluída".

Os documentos agora tornados públicos incluem telegramas, minutas de reuniões ao mais alto nível do governo norte-americano e ainda propostas sobre a politica a seguir por Washington face à deterioração da situação militar na Guine Bissau e Moçambique.

Amílcar Cabral foi assassinado a 20 de Janeiro de 1973 em Conackry e a 1 de Fevereiro aqueles serviços dos Departamento de Estado disseram num relatório que "a maior parte dos sinais indicam ( que o assassinato de Cabral foi resultado) de um feudo entre mulatos das ilhas de Cabo Verde e africanos do continente", acrescentando contudo "haver sinais de envolvimento português".

O documento refere a "fricções de longa data" de carácter racial dentro da organização chefiada por Cabral ( o PAIGC) e também a "oposição esporádica dura dos seus comandantes militares que se irritavam com os limites por ele imposto à actividade militar na Guiné portuguesa e à continua subordinação dos militares aos objectivos políticos".

A nota descreve como "problemática" as confissões tornadas publicas de elementos envolvidos na morte de Amílcar Cabral que culparam Portugal pelo assassinato, mas acrescenta que "na base daquilo que sabemos a cumplicidade portuguesa não pode ser excluída".

Os documentos agora tornados públicos revelam ainda que a diplomacia norte-americana se encontrava a par de planos do PAIGC de declarar a independência da Guiné-Bissau nas zonas libertadas do território (o que veio a acontecer em Setembro de 1973) e ainda que face à deterioração da situação militar Portugal esteve envolvido em contactos com representantes do movimento de libertação nesse ano.

Numa nota enviada ao Departamento de Estado a 11 de Setembro de 1973 a embaixada norte-americana em Lisboa informou ter sido informada por "fonte de confiança" que houve contactos "no passado" entre o PAIGC e Portugal e que "de momento o PAIGC está envolvido em conversações com representantes portugueses em Paris".

O PAIGC declarou a independência da Guine Bissau em 24 Setembro de 2003 colocando enormes problemas diplomáticos aos Estados Unidos face à possibilidade do novo país pedir a sua adesão à ONU. Um estudo dos "Serviços de Informações e Investigação" do Departamento de Estado datado de 5 de Outubro de 1973 diz que o PAIGC controlava na altura "aproximadamente um terço do território" e avisa que o PAIGC irá pedir a adesão do país à ONU "ainda este ano ou no próximo".

"Os Estados Unidos terão então que fazer face à decisão política de vetar ou não no Conselho de Segurança a admissão (da Guine Bissau). Um veto sem outro apoio por parte dos Estados Unidos causará grandes danos às relações dos Estados Unidos com muitas nações africanas," diz o documento.

Em Dezembro de 1973 o então secretário de estado Henry Kissinger presidiu a uma reunião em que a situação foi discutida e em que Kissinger e outros destacados funcionários manifestaram a sua irritação face à inflexibilidade de Portugal na questão colonial.

No encontro o então sub secretário de estado para questões politicas, William Porter queixa-se amargamente que "o problema é que eles (os portugueses) não nos dão nada com que possamos trabalhar".

"Não nos dão nada para que os possamos defender. Não nos dão uma única coisa. Falam muito," disse Porter.

Kissinger afirma a certa altura que "não hà solução excepto tirar-lhes (os territorios)".

O então secretàrio de estado afirma que ninguém "se deve enganar" em pensar que Portugal aceitará abandonar as suas colónias.

"Se queremos tomar uma decisão política que os queremos forçar a abandonar Angola e Moçambique então muito bem…se não sabemos para onde queremos ir então não vamos a lado nenhum. Consultas não vão levar os portugueses a abandonar Angola e Moçambique. Eu sempre assumi que o único meio que os forçará a sair de Angola e Moçambique é os africanos tornarem as coisas tão quentes que eles sairão. Antes disso não sairão. Falar com eles não os vai levar a sair," acrescenta Kissinger que irritadamente rejeita mais consultas com Lisboa sobre a questão afirmando poder "fechar num envelope " as respostas dos portugueses antes de efectuar mais conversações.

O então secretario de estado rejeita no entanto o argumento de que a politica portuguesa esta a afectar as relações de Washington com o grupo não alinhado afirmando que essa organização "é não alinhada na sua oposição a nós"

Kissinger defende no entanto nesse encontro que os Estados Unidos deveriam tomar uma decisão política "para tentar levar os portugueses a saírem (de África) o mais rapidamente possível, usando o argumento que esse é o melhor meio para preservar os vestígios da sua posição".

"Se seguirmos isso, isso é uma posição razoável … é um ponto de vista político perfeitamente legítimo. Mas não vai avançar só através de consultas," disse Kissinger para quem Portugal tinha duas opções "aguentar o mais longo possível ou tentar sair o mais rapidamente possível" afirmando que na sua opinião o "meio de sair é seguir a via que De Gaulle escolheu" quando decidiu abandonar a Argelia.

Cinco meses depois o golpe de estado de 25 de Abril de 1974 evitou que Washington tivesse que tomar uma "decisão política" quanto às colónias portuguesas.

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