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“A democracia é um processo ... não um acto”


De Maio de 2004, altura em que o Presidente José Eduardo dos Santos admitiu em Washington que as eleições, aconteceriam não para além de 2006, aconteceram muitas coisas em Angola e segundo o entendimento da embaixadora de Angola nos EUA, Josefina Pitra Diakité, nem tudo correu como se esperava, e alguns desfasamentos, e apenas isso podem justificar arranjos no programa para as eleições.

Voz da América - Sra. Embaixadora, retenho o pronunciamento que o presidente José Eduardo dos Santos fez há dois anos em Washington, segundo o qual, as eleições teriam lugar não para além de 2006. O que foi que mudou em Angola que leva a que as eleições possam ter lugar não este ano?

Josefina Pitra Diakite- Nada mudou, se calhar foi tão somente possível analisar mais profundamente alguns aspectos que não tinham sido devidamente ponderados naquela altura, como por exemplo a questão desminagem que é uma componente muito importante para a circulação de pessoas e de bens, bem como a questão da reparação de infra-estruturas, sobretudo rodoviárias. É possível que esta situação eventualmente venha a ditar uma reprogramação da data das eleições ou do período eleitoral para além de 2006.

Mas eu gostaria de dizer que se calhar o alarido que faz à volta da data das eleições, se calhar é um bocado inusitado. E é um bocado inusitado, desde logo pelos factores que já enumerei, e que requerem que o governo se empenhe no sentido de os ultrapassar; segundo porque Angola é um país de direito, e que se rege por uma legislação. Foi aprovado um pacote eleitoral, e estão a ser criadas outras condições logísticas e psicológicas para que as eleições possam ter lugar. É importante reter também o seguinte: a lei eleitoral confere ao chefe de Estado a possibilidade de convocar as eleições até 3 meses antes da data da sua realização. Portanto estamos dentro da lei, estamos exactamente no início de 2006,logo o PR ainda tem muito tempo para convocar as eleições dentro segundo aquilo que a lei prescreve. Se calhar precisamos sim de fazer uma maior divulgação daquilo que a lei prescreve, lei esta aprovada por um parlamento de que fazem o partido no poder a oposição.

VOA- Por outras palavras .. podemos admitir que o pronunciamento que o Presidente José Eduardo dos Santos fez em Washington continua de pé?

JPD- Absolutamente. Eu acho que ainda não temos razões para entrar em pânico ou para dizer que as eleições não se vão realizar em 2006. Acompanhamos as declarações que o ministro da Administração do Território fez por altura da reunião com os governadores provinciais nas quais falava tão somente de uma reprogramação, e esta reprogramação não nos transfere necessariamente para lá de 2006. Acho que é prematuro falar de eleições para além de 2006.

VOA- O pacote eleitoral terá sido depois dos acordos de paz, o primeiro grande empecilho. Governo e oposição ultrapassaram isso. Agora põem-se duas novas questões: ..o timming do registo eleitoral, e a desminagem. Não teria sido prever antes a questão da desminagem, sabendo-se que o registo eleitoral depende em parte de uma certa concertação?

JPD- Teria sido possível se tivéssemos tido a frieza de analisar os aspectos decorrentes de todo este processo. Mas é preciso termos em conta que precisamos trabalhar com muita frieza, e sem pressões de qualquer natureza, sejam internas sejam externas. Colocar-se-á também a necessidade de resolver todos os problemas de ordem logística que têm a ver com eleições para não termos problemas de maior. Podemos até darmo-nos por felizes, por estamos no início de 2006, e já estarmos a dar conta de carências que nos permitirão fazer correcções e realizarmos as eleições com e tranquilidade, para que não haja descontentamentos de maior, nem incidentes.

Uma coisa é perder gente, vidas humanas, quando estamos em guerra, outra coisa é registarmos isso numa situação absoluta de paz, numa altura em que nos preparamos para darmos um salto qualitativo do ponto de vista da vida política nacional e da democracia. Isto pode acontecer se não acautelarmos determinadas situações.

VOA- Isto remete-me para uma declaração que Jardo Muekália publicou após uma audiência que teve no departamento de Estado com Jendayi Frazer, subsecretária de estado adjunta para os Assuntos Africanos, segundo a qual, em determinados aspectos sente-se falta de vontade política da parte de quem tem a responsabilidade de decidir .. ou seja o governo...

JPD- Diria duas coisa...que a oposição tem que fazer o seu trabalho, diria que pode ser ..diria também que volvidos quase 4 anos, com toda a gente a fazer uma apreciação absolutamente positiva do processo em Angola, dizer que não acontece mais por falta de vontade política não corresponde à verdade.

Pode corresponder à falta de conhecimento da dimensão do problema do ponto de vista de quem está de dentro. Definitivamente vontade política não falta, tanto que o processo tem estado a correr sem grandes atropelos, sem tumultos também.

Diria por fim que a democracia é um processo ... não um acto . Não podemos democratizar de um dia para o outro um país que esteve em guerra durante 27 anos. Aliás o caso de Angola já vem sendo apresentado de alguma forma como um milagre, por estarmos a fazer muito em pouco tempo. Mas não é caso de falta de vontade política. Temos que ter a coragem de discutir os problemas com a profundidade necessária, mas chamando as coisas pelo seu próprio nome. É fundamental podermos realizar eleições, livres, justas e inclusivas da qual todos saiam satisfeitos, e que consigamos nos livrar das pressões que nos levaram aos problemas de 1992..por conseguinte, os atrasos são de alguma forma aceitáveis, prova disso é que países com democracias maduras cada vez mais vêm conhecendo algumas dificuldades próprias do processo de convivência.

VOA- Há 4, 5 anos, a ocorrência de uma audiência de Jardo Muekália no departamento de estado era capaz de provocar mossa nas relações entre Angola e os EUA, era capaz de irritar o Governo de Angola .. como é que o governo de Angola reage hoje a isso?

JPD- Eu diria que não é normal que um governo que tem as relações que tem com outro, aliás os EUA qualificam Angola como um país prioritário, não é normal que se receba um representante da oposição, sobretudo de um único partido político. Quando entidades visitam Angola o governo é suficientemente maduro e aberto para permitir que estas entidades possam contactar outras sensibilidades. Agora receber representantes da oposição, tendo Angola um parlamento com doze partidos representados, eu fico sem saber se é só uma deferência que se faz à UNITA ou se há a intenção de se agora se ir recebendo os dirigentes da oposição..

Diria que do ponto de vista diplomático não é um gesto que tenhamos necessariamente que apreciar ... Também devemos dizer que efectivamente os tempos mudaram, estamos em democracia, e as autoridades norte-americanas também são livres de realizar os actos que bem entenderem para nos permitem fazer a melhor leitura possível daquilo que são as relações entre nós e o melhor entendimento relativamente a isso. Em conclusão diria que nós em Angola não fazemos isto. Quando temos que auscultar os nossos parceiros bilaterais .. fazemos pelos canais adequados...

VOA- Isto remete-nos para a relação entre Angola e os Estados Unidos. A Comissão Conjunta Bilateral foi destituída há cerca de 4 anos; não houve até aqui a conferência de doadores de que os EUA seguramente fariam parte, e tendo o governo de Angola decidido procurar parceiros noutras partes do mundo, podemos concluir que há uma deslocação dos interesses de Angola para lá daquilo que era normal, ou seja para fora de uma concertação com os EUA?

JPD- Nós temos efectivamente os EUA como um parceiro incontornável ...as relações estão boas, mas embora os EUA sejam a única superpotência são tão somente um país no contexto de um conjunto bastante variado de países. Portanto sendo parceiros dos EUA, não podemos por isso precludir relações com outros países do mundo. Por outro lado, e como as nossas entidades têm estado a dizer, com o nível de problemas que temos em Angola, temos que ir buscar soluções, e neste contexto podemos dar-nos por felizes de que batendo outras portas da comunidade internacional estas portas se abrem e Angola vai podendo por assim dizer , resolver os seus problemas. Mas digamos que as relações entre Angola e os EUA , ou entre Angola e outros com outros países não se esgotam por ai.

Temos muitas oportunidades de por um lado incrementar a cooperação bilateral e as relações económicas com os EUA, e por outro também temos a possibilidade participar com os EUA e com a comunidade internacional num contexto variado de iniciativas bilaterais para bem de todo universo, por conseguinte continuam abertas as portas para o crescimento das relações com os EUA, ao mesmo tempo em que também vamos consolidando outras parcerias e as relações com outras instituições do mundo.

VOA- É só por mero acaso que nenhum alto funcionário do executivo norte-americano visitou Angola nos últimos 12 meses?

JPD- Eu diria que sim....Em todo o caso a Dra Jendayi Frazer, subsecretária de estado Adjunta para África esteve para ir a Angola em Outubro por altura da inauguração da embaixada norte-americana em Angola, mas nós estamos também a trabalhar no sentido de poder levar outras entidades americanas a Angola, acontece que houve pelo meio a questão das eleições aqui nos EUA, que criaram algumas incertezas, a questão da nomeação do novo governo .. tudo isto leva tempo, e uma vez colocadas as peças, e agora com maior estabilidade, podemos efectivamente trabalhar neste sentido.

Gostaria de dizer ainda que nos Estados Unidos o puzzle também é composto por membros do poder legislativo que é muito forte. E nesta base estivemos a trabalhar para que uma delegação de congressistas fosse a Angola ..esta viagem não se concretizou por problemas de última hora que nos levaram a adiar e a reprogramá-la .. mas em todo o caso tem havido visitas de empresários e de representantes de universidades norte-americanas a Angola. Acho que daqui para frente as coisas vão tomar outro rumo nos dois sentidos.

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