Links de Acesso

Luís dos Passos à Voz da América : 27 de Maio não foi um golpe


Haverá muitas dúvidas, muitas versões sobre coisas que se passaram em Angola nos últimos 30 anos, mas até aqui, parece que poucos duvidavam que o 27 de Maio tivesse sido uma tentativa de golpe de estado. Pois bem aos olhos de Luís dos Passos, presidente do PRD, ele próprio actor do processo que descambou em prisões e mortes, o 27 de Maio não foi um golpe de estado : “Apenas uma insurreição”.

A melhor maneira de se desfazer todas as dúvidas seja sobre a natureza do 27 de Maio, seja sobre a responsabilidade de todos e de cada um, seria, segundo Luís dos Passos um debate aberto, e isto não acontece porque o MPLA não tem tido a coragem de o fazer. Falando para a Voz da América, Luís dos Passos disse que o que tem faltado ao MPLA é coragem de o fazer.

“Se tivessem tido vontade e coragem já teriam ultrapassado este problema, e de cabeça erguida seguramente. De ano a ano são feitos alguns comunicados. Há cerca de 3 anos foi feito um, onde se tentava mais ou menos amenizara coisa, dizendo que houve mortos, enfim excessos, mas não se es esqueceram de dizer que houve excessos da outra parte, portanto da nossa o que dá a entender que eles têm muitas dificuldades em lidar com a questão do 27 de Maio....Temos feito tudo para que fosse feita uma espécie de catarse, mas vemos que não há coragem.. então acabam de passar por cima”.

Exemplos de falta de coragem, segundo Luís dos Passos acontecem todos os dias.

“Decorreu recentemente aqui em Luanda um seminário sobre reconciliação nacional organizado pelo MREX e pelo COIEPA. Para nossa surpresa não se falou do 27 de Maio, de tudo que aconteceu .. Pode haver reconciliação dando-se uma volta ao problema?”

Tivesse havido uma abordagem nesse seminário sobre o 27 de maio, Luís dos Passos sugere que não teria dificuldades em abordar o problema.

“Partimos de princípio de que seria preciso repor a verdade histórica ..Vamos dizer até que nem fôssemos falar de verdade histórica ..nós fomos acusados de muita coisa .. Havia falta de alimentos por nossa culpa ..enfim.. Tudo que andava mal no país era por culpa dos chamados fraccionistas. Então o que era preciso fazer? Era preciso que o MPLA viesse pedir desculpas à nação angolana por aquilo que aconteceu no 27 de Maio. Os lesados , a sociedade, os angolanos estariam na condição de perdoar. Esquecer é que é impossível, mas perdoar é um acto que cada deve saber fazer. Um indivíduo que não consegue perdoar isto ficará amarrado para todo o sempre...Há pessoas que ficaram lesadas espiritualmente magoadas. Então o que é que era preciso fazer..? A questão legal, jurídica ..não há certidão de óbitos, não se sabe se os pais ou filhos morreram .. enfim .. ̀Era preciso que neste pedido de desculpas se mostrasse de facto que não é tanto a história que se foi contando ao longo dos tempos, segundo a qual matamos milhares de pessoas, enfim que o Luís dos Passos é um assassino ,matou muita gente, quando não é verdade”.

Luís dos Passos sustenta sua tese com o argumento de que feitas as contas o MPLA apenas conseguiu apresentar 7 pessoas mortas pela ala de Nito Alves.

“Mesmo em relação a estas 7 pessoas eu tenho muitas dúvidas. E hoje passados 28 anos podemos dizer que Eurico e N”zaji colaboravam connosco, e aparecem mortos no 27 de Maio .. Hoje posso dizer isto publicamente ..Eram pessoas amigas, pessoas com quem tínhamos uma relação muito estreita. São coisas destas que marcam....a família Mingas perde dois filhos no 27 de Maio ..como resolver este diferendo ? Era importante que se indemnizasse as pessoas que sofreram maus tratos nas mãos da segurança de estado.. houve até pessoas que perderam as suas casas.”

A alusão ao perdão, indemnizações, excessos são referências que seguramente dirão alguma coisa às duas parte do problema. Há pessoas do outro lado que não perdoam a intervenção dos fraccionistas, termo rejeitado por Luís dos Passos. O presidente do PRD diz que não tem dificuldades em falar para estas pessoas, nem em fazer a sua mea culpa.

“Quantas vezes já o fiz publicamente? Quantas vezes eu, que até não tinha responsabilidades tão altas, digamos assim, já o fiz publicamente? Se tivermos de o fazer novamente, se tivermos de pedir desculpas aos angolanos, às famílias que sofreram por isso, falo-é-mos. Estamos mais interessados do que ninguém em fazê-lo. Deixa-me dizer que mesmo nas matas, escrevi uma carta à comissão dos direitos humanos da ONU, na qual dizia que estava disposto a assumir as minhas responsabilidades, a pedir desculpas aos lesados, ainda que fosse fuzilado. Não me deram esta possibilidade.”

Os desacordos que resultaram no 27 de Maio, não se resumiam as duas alas em confronto. Pelos vistos os mentores do golpe não se entendiam em relação à natureza do acto. Foi ou não foi uma tentativa de golpe de estado?

“Não foi um golpe, e posso dizer isso porque eu era uma das pessoas que estava em contacto com a missão soviética. Posso assegurar de facto que não havia um golpe ..Esta é que foi a grande contradição entre os militares, entre os quais eu, e os outros ..os que achavam que se devia fazer uma insurreição, que do ponto de vista do marxismo era mais benéfico, enfim uma combinação de massas e manifestação ..e os que achavam que se devia partir para um golpe .. e nós não fizemos um golpe ..e este deve ter sido o erro de Nito Alves, isto é, a falta de combinação estratégica ..ou seja era importante fazer um golpe. Muitos dos oficiais generais de hoje, não aderiram porque achavam que era melhor fazermos um golpe. Não fazia sentido, fazer como fizemos, uma insurreição de massas que sabíamos que seria esmagada pois estávamos informados que os cubanos se iriam envolver, para além de que tínhamos uma palavra de ordem: não tocar no velho, nem fazer sangue...”

XS
SM
MD
LG