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Cláudio Silva à VOA: Ou seremos uma democracia ou seremos mais um país inviável


O anúncio há cerca de 3 semanas de que Cláudio Silva, ex-FpD, tinha sido indicado pela UNITA para tomar parte na Comissão Nacional Eleitoral, colheu muita gente de surpresa. Afinal, a FpD de que ele foi um dos fundadores procurava na sua génese distinguir-se do MPLA e da UNITA os então chamados partidos armados.

A ideia da tomada de uma decisão desta natureza pôde ter ocorrido há muita gente, mas poucos, seguramente, admitirão que ela pudesse vir de alguém que fez parte do processo de criação de um partido que apresentou como marca a democracia ao invés do totalitarismo. Mas para tudo há uma explicação. Houve eleições , transformações, e há sobretudo novos desafios .Sem drama, sem hesitações, Cláudio Silva explicou à Voz da América em Washington, os caminhos que o levaram à Comissão Nacional Eleitoral.

“ Eu militei na Frente para Democracia, partido que co-fundei em 1991, e do qual me desliguei em 1992. Sou um cidadão sem filiação partidária desde então. A União Nacional para a Independência Total de Angola fez-me um convite e pediu o meu consentimento para indicar o meu nome à Assembleia Nacional. Esta elegeu-me para participar na Comissão Nacional Eleitoral que é um órgão independente , um órgão do estado criado para supervisionar e organizar as eleições em Angola.

Mesmo que a Comissão Eleitoral seja um órgão de Estado e independente, a ideia de uma associação à UNITA de uma figura como Cláudio Silva impõe seguramente uma explicação mais profunda....Nós provocamos Cláudio Silva..

Olhando para o que distinguia o pensamento da FpD, do pensamento do MPLA e do pensamento da UNITA.. O que o teria levado a dar o consentimento para que a UNITA indicasse o seu nome?

“O que me levou a dar o meu consentimento foram várias razões. As eleições são são uma questão de estado. São uma questão do desenvolvimento da nossa cidadania, são uma questão do desenvolvimento da própria angolanidade. Portanto as eleições em Angola não são uma questão partidária. Além disso, a União Nacional para a Independência Total de Angola, mudou, e eu comungo dos seus ideais que são essencialmente aprofundar a democracia em Angola, consolidar o estado de direito, promover a solidariedade social, e promover em Angola as mudanças que se impõem. Neste sentido eu estou de acordo com a UNITA. Pugno pelos princípios que a UNITA agora defende. Ela se apresenta como a força líder na democratização de Angola, o primeiro partido político que se transforma de movimento social tradicional, daqueles que participou na luta pela independência nacional e se apresenta agora como uma força realmente democrática . Pratica a democracia internamente, tem políticas que vão de encontro às aspirações mais legítimas do povo angolano, e que com as quais eu estou inteiramente de acordo. Por essa razão, ajudar Angola neste momento a consolidar o seu estado democrático de direito para mim impõe-se como algo prioritário e de interesse nacional.”

Compromissos de natureza política já se viu, tanto podem valer apenas para o que ficou acordado, como podem desembocar em outros engajamentos..daí a pergunta.. pode se inferir deste compromisso uma filiação no futuro à UNITA?

“Pode ser. Eu acredito que o desenvolvimento de Angola e a sua viabilidade como nação moderna e democrática passam essencialmente pela democratização das duas grandes forças sociais que Angola tem que já são património nacional : O MPLA e UNITA. Portanto, do desenvolvimento democrático e da modernização destas duas grandes forças sociais, dependerá o futuro democrático de Angola. E eu quero dar o meu contributo para este objectivo.”

Angola irá a votos nos próximos 18 meses, num processo que se espera venha a contribuir para a sua democratização . Porém mesmo sem data marcada as próximas eleições são já objecto de controvérsia. Cláudio Silva toma como premissa número um para se esbater a controvérsia, a distinção entre o que se passou em 1992, e o que se vive hoje.

“Em 1992 as eleições foram concebidas como parte da fórmula encontrada aqui em Washington para resolução do conflito político-cultural que assolava o país desde os primórdios da independência. Como sabe, nós tivemos independência, mas não tivemos democracia. Tal como nos outros países africanos, também em Angola o processo independentista não tem sido envolvido na democratização da sociedade e na democratização das instituições do estado..isto gerou conflitos Ora quando se assinaram os acordos de Bicesse tiveram como pressuposto dois elementos fundamentais que se assemelham ao caso da Palestina...na Palestina foi ..land for peace , em Angola foi democracy for peace. Portanto em troca da fusão dos dois exércitos ,surgiria um estado democrático e de direito. Daí as emendas constitucionais ocorridas em Angola mormente através da lei 23 de 1992. Portanto as eleições inseriram-se naquele cômputo . Quer dizer que houve um compromisso nacional avalizado pela comunidade internacional para instauração de um estado democrático e de direito. Porém o conflito político-cultural não podia ter sido resolvido nunca por um acordo de papel, e muito menos pela mera realização de eleições que são apenas uma das peças no processo de democratização. Portanto, Angola ainda não se consolidou como estado democrático. Terminada a expressão militar do conflito político-cultural em 2002, com o fim do facto político da guerra civil, nós temos agora condições para continuar a marcha iniciada naquela altura com base nos acordos de Bicesse para consolidação do estado de democrático e de direito. Ora vivemos uma situação anormal, e o tribunal supremo confirmou-nos isso: nós temos um estado democrático com instituições não democráticas..quer dizer a instituição da soberania popular em sí mesma está violada. Então precisamos de permitir a normalização destas duas: a instituição da soberania popular, a instituição da democracia, que resultam na normalização das instituições do Estado. Daí a importância da realização de eleições. É uma questão de normalizar as instituições do Estado. A CNE surge, pois, como veículo independente que se pretende venha a organizar este processo de realizar eleições, não apenas estas, mas como órgão permanente, penso ter sido esta a intenção do órgão legislativo do estado, para que Angola então tenha como todos os outros países um órgão permanente que de forma regular, sucessiva e pacífica, realize eleições democráticas no país.

Cláudio Silva parece menos pessimista do que a oposição. Pelo menos não partilha da suspeição manifestada pela oposição em relação ao que tem sido feito para preparação das eleições.

“Eu não partilho destas suspeições .. O que nós temos em Angola, temos que ser realistas, é um estado ainda patrimonialista, não um estado democrático. Temos um estado onde se fabrica dinheiro falso, temos um país onde se fabricam passaportes falsos, temos um país onde aviões desaparecem da pista, temos um país onde os fundos do erário público não são controlados, portanto é natural que as forças sociais fiquem um pouco atentas e suspeitas de como será o processo natural, se as forças responsáveis pela integridade das transações comerciais, jurídicas e outras, forem as mesmas que organizam o processo eleitoral. Penso que é por isso que se decidiu que seja um órgão independente, neste caso a CNE a organizar o processo. Portanto a CNE vai fazer isso em parceria com órgãos da administração pública, em parcerias com ONGs com toda a sociedade para que as eleições sejam livres , transparentes e eficientes. Aqui o que está em causa é todos assegurarmos a integridade do processo. O problema é o processo. Portanto se houverem suspeições , temos que as corrigir. Não basta escamoteá-las, não basta dizer que não existem. Temos que enfrentá-las e corrigi-las para que todos sintamos amanhã que qualquer que o governo que venha destas eleições tenha um mandato do povo,

Do desfecho e da fiabilidade do processo eleitoral dependem, segundo Cláudio Silva muito mais do que afirmação do próximo governo...depende o futuro de Angola.

“Acho que Angola vive um momento crucial. Todos os angolanos, independentemente, da sua filiação política, dos seus credos religiosos. É agora que penso que Angola vai ter que se definir. Ou seremos um estado democrático e de direito, com uma economia desenvolvida , competitiva e transparente, ou seremos mais um dos países africanos inviáveis. E penso que esta é a importância das próximas eleições. E por isso é que prescindi das minhas actividades profissionais por um tempo, para me dedicar à causa da nacionalidade angolana.”

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