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José Vandúnem à Voz da América: Luta contra o Marburg continua


Os casos de Marburg poderão ficar reduzidos a zero, mas a luta contra esta epidemia só será declarada como concluída quando for identificado o ponto de partida, disse à Voz da América em Washington o vice-ministro angolano da Saúde, José Vandúnem.

O governante angolano disse ser prematuro concluir que o macaco verde tenha sido o vector da doença, porque ao contrário do que aconteceu noutras paragens, não foram encontrados macacos mortos na floresta.

Voz da América- Senhor vice-ministro, o seu governo já sabe como foi que começou a epidemia por vírus de Marburg?

José Vandúnem- Nós continuamos a investigar o caso índice, o que para nós é uma questão fundamental, pois se não soubermos qual é o caso índice continuaremos numa posição fragilizada, ou seja poderemos assistir o surgimento de uma nova epidemia. Logo, vamos continuar as intervenções epidemiológicas para sabermos qual foi o primeiro caso. Por outro lado temos que parar com a contaminação, terminar com os contactos e fazer com que a epidemia estanque. Vamos continuar com os estudos epidemiológicos para saber exactamente onde foi que a epidemia começou, e qual foi o primeiro caso.

VOA- Já houve várias teorias, algumas das quais ligadas ao macaco verde ..o senhor acredita em alguma destas teorias?

JV- O macaco verde é um dos reservatórios conhecidos. Em países onde o macaco realmente foi o transmissor ou o vector da doença foram encontrados na floresta uma série de macacos mortos , o que não foi o caso de Angola. É um ponto de investigação mas acho que não devemos ficar reduzidos a esta teoria. Às vezes acontece que por razões de desequilíbrio ecológico, microorganismos que são comensais de animais podem infectar determinados animais e estes transmitirem a doença aos seres humanos. É uma possibilidade que deve ser investigada sem preconceitos, sem pré-julgamentos para chegarmos a uma teoria que seja racional e sustentável do ponto de vista técnico.

VOA- Sabe como eu ,que o seu governo foi acusado entre outras coisas, de ter reagido muito lentamente. O primeiro caso aconteceu em Outubro; até dezembro já tinham morrido cerca de 10 pessoas ..o que levou o seu governo a reagir à velocidade que reagiu?

JV- Nós temos dificuldades ao nível do sistema de saúde .. temos 70 por cento da rede sanitária destruída, temos estradas , pontes completamente danificadas, e vivemos até uma situação caricata na província do Uíje .. aonde para chegarmos a alguns municípios temos que ir primeiro para a RDC. Por outro lado são municípios maioritariamente servidos por enfermeiros . O Uíje tem 16 municípios e apenas 3 ou 4 médicos...por fim a febre hemorrágica por vírus de Marburg tem numa dada altura um quadro difuso que se confunde com paludismo, então profissionais não muito diferenciados podem ser induzidos em erro .. mas não foi este o caso...Com o apoio da antena epidemiologica da OMS baseada na província mandamos as amostras para o CDC - Center for Desease Control, Atlanta, EUA) ..o que acontece é que dada a geografia médica a previsão que tínhamos era que fosse um caso de ébola. Os resultados vieram negativos, o que nos tranquilizou. Admitimos que se tratasse de má gestão de casos de paludismo, ou de outra doença .

Há outro aspecto a ter em conta. Normalmente os surtos de febre hemorrágica afectam maioritariamente os adultos .. numa primeira fase este caso atingiu primeiro as crianças depois as mães destes, e depois as pessoas que estiveram em contacto com estas......neste momento já se assiste o retorno aos padrões normais da doença com uma maioria de adultos infectados e vitimados pela doença. Na primeira fase não foi assim. Então estávamos diante de um comportamento em certa medida incaracterístico face às informações que havia sobre a doença, que na verdade não eram muitas. Na verdade este é quarto episódio registado em todo o mundo.

Toda esta conjuntura levou que mais tarde pedíssemos assistência ao laboratório de virologia de Joanesburgo que é o que apoia a região em questões de virologia. Estando neste momento em renovação, o laboratório de Joanesburgo enviou as amostras para o laboratório do Instituto Pasteur em Dakar, Senegal. Este laboratório testou para febres hemorrágicas no vale do Nilo, febre amarela, Chicungunha, Vale do Rifte, Crimeia Congo, com resultados todos negativos para estes agentes etiológicos. Concomitantemente enviamos outras amostras para o CDC que testou para febre hemorrágica por lacer, Ébola, que era a grande suspeita que tínhamos, sendo positiva para Marburg .. A partir daí declaramos a epidemia de febre hemorrágica vírus de Marburg ..e fomos tomando uma série de medidas.. A questão de fundo é que o pessoal que se contaminou não tinha conhecimento de que se tratava de um surto de febre hemorrágica, daí que se tenha assistido a morte de um número grande de profissionais de saúde.. o que resultou em factor de pânico tanto para os profissionais, quanto para as comunidades.. Quando os profissionais morrem é porque a situação é muito grave. Pedimos apoio do CDC para suporte laboratorial, com a OMS fizemos a gestão clínica dos casos, treinamento de pessoal e para reforçar a situação no terreno, pedimos a assistência aos MSF de Espanha que tinham participado na gestão de surtos de febre hemorrágica por ébola na RDC, ao mesmo tempo que introduzimos um factor novo que foram os serviços de saúde das forças armadas que puseram um coronel médico no terreno a coordenar todas as operações..

Depois disso criamos condições ao nível de Luanda para que a epidemia pudesse ser perfeitamente gerida por causa das condições específicas da capital, ou seja densidade populacional défice de saneamento básico ..então tudo fez com que tivesse dado uma atenção especial a Luanda, onde havia muitos quadros seniores que com a ajuda dos MSF da Holanda criam condições de isolamento para a eventualidade de casos despachados ou detectados em Luanda

VOA- Está a falar de controlo desta doença.. há poucos dias peritos norte-americanos admitiram ter sido bem sucedidos na administração de vacinas contra o vírus de Marburg a macacos ..Que tipo de inputs podem dar peritos de um país como Angola?

JV- Para já é uma grande esperança ..se os resultados em macacos são animadores isto significa uma grande esperança para países como nosso onde já aconteceram casos, e onde não se sabe qual foi a origem.. Em relação aos inputs posso dizer que o laboratório que nos está a apoiar no Uíje é exactamente o laboratório de Winnipeg que é um dos laboratórios associados à descoberta da vacina. É possível que com estes profissionais de Winnipeg estacionados no Uíje possamos ver que contribuições podemos dar utilizando soros de pessoas testadas e cujos resultados foram positivos para futuros estudos e inoculações seja no sequenciamento genético, seja no manuseamento e na gestão de comportamento de animais de experiência .

VOA- Estão em sintonia?

JV- Estamos a trabalhar neste sentido.. mas como calcula não é fácil quando não dominamos algumas questões técnicas ter a pretensão de dizer que temos os mesmos benefícios, os mesmos inputs.. temos o sentimento de que somos parte de um mesmo problema e que estaremos dispostos a trabalhar para que se encontre os melhores resultados para a humanidade .

VOA- Havia a ideia aqui e noutras parte de que o fim da guerra resultaria em mais circulação de pessoas, e também mais riscos de propagação da sida.. que tipo de sinais se assistiu em relação à sida desde o fim da guerra?

JV- Ainda é cedo para dizermos que se tenha assistido a um aumento de casos.. Um estudo a 500 mulheres grávidas de cada província do país vai funcionar como base-line para próximos estudos que vão permitir monitorizar a tendência da epidemia no país.. este estudo mostrou-nos uma coisa interessante: províncias como o Cunene e o Kuando Kubango que têm uma relação de proximidade com a República da Namíbia que tem índices de sero-prevalência superiores a 20, têm os maiores índices de sero-prevalência do país; mostrou também que as Lundas norte e sul que fazem também fronteira com a RDC, e a província do Uíje têm índices muitos elevados de sero-prevalência..

A província do Moxico que faz fronteira com a Zâmbia, país com índices bastante elevados, tem índices relativamente baixos quando comparados com outras províncias que fazem fronteira com a Zâmbia, resultado do factor protector resultante da ausência de estradas e vias de comunicação ..Não houve a facilidade de ligação com a Zâmbia e isto protegeu a província.. Isto é corroborado pelos resultados registados na província do Bié a mais flagelada pela guerra. Aí foram registados os resultados mais baixos de todo o país.. Quer dizer que a guerra teve um efeito protector que agora desapareceu.. perante isto apenas podemos fazer duas coisas : enfrentar as situações com base na informação que já temos, e aproveitar a oportunidade que representam províncias como Bié e Malanje que têm índices de sero-prevalência ainda baixos.. e aproveito também esta oportunidade para chamar a atenção,. sobretudo de doadores que acham que devem apoiar maioritariamente os países com índices de sero-prevalência muitos elevados...Não contestamos isto.. Mas devem também ajudar países como o nosso que ainda têm índices de sero-prevalência baixos, para que acelerem as suas intervenções de modo que daqui a 10 anos não estejam como os outros.

VOA- O que dizem os estudos feitos em associação com instituições americanas nas forças armadas angolanas.?

JV- Estes estudos dizem que os índices de sero-prevalência são muito mais baixos do que supúnhamos.. por outro lado permitem mostrar como é que a epidemia se comporta ao nível do país ..não tem uma variação muito diferente daquilo que se vê nas populações civis..

VOA- No Uganda, Zâmbia e por ai abaixo onde à semelhança de muitos países africanos existe a poligamia, a conversa é a mudança de hábitos sexuais.. Se chegarmos a este ponto em Angola como é que se vai convencer o homem angolano nestas condições, a mudar de hábitos?

JV- Os defensores da poligamia dizem que o que faz mal é a poligamia aberta.. a poligamia fechada não faz mal.. poligamia fechada é aquela em que um sujeito tem 3 mulheres, mas são as três mulheres dele que o têm como marido.. esta não cria problemas.. A poligamia aberta é que é complicada.. o sujeito tem “ene” parceiros.. e ai sim está exposto a factores de riscos.. Os hábitos culturais demoram tempo ser invertidos.. mas a factura que estamos a pagar com a diminuição da capacidade de produzir riqueza, o empobrecimento de agregados familiares, a diminuição de esperança de vida, a quantidade de órfãos, tudo isto vai levar a que nós pensemos e numa análise de custos - benefícios acabemos por mudar.. o nosso papel, e o da imprensa enquanto fazedora de opinião é contribuir para acelerar esta mudança de comportamento face aos benefícios resultantes para o país, para as comunidades.

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