Em entrevista ao programa Fala África VOA, Ailton Moreira, engenheiro e poeta, compartilhou as ricas camadas de sua mais recente obra literária, "Incontido Ser(vo)”, lançada em abril no Brasil. Este engajante diálogo não só ilumina suas influências cabo-verdianas como também pontua a complexidade de viver entre o Brasil e Cabo Verde.
Ailton Moreira nos conduz ao cerne de sua identidade literária, traçando suas raízes até as paisagens e as pessoas de Cabo Verde. "Tudo o que sou e tudo o que construí enquanto escritor se ancora nas experiências de minha terra natal," explica Moreira. Sua obra é uma homenagem à vida rural cabo-verdiana e às mulheres que são frequentemente marginalizadas pela literatura convencional.
Entre dois mundos: o género e a interculturalidade
A experiência cultural de Moreira se reflete vividamente em "Incontido Ser(vo)", onde o leitor encontra um delicado equilíbrio entre a ficção e a realidade vivida no Brasil e em Cabo Verde. Essas histórias não apenas capturam a essência das vivências locais, mas também promovem uma conexão universal com temas de identidade e pertencimento.
"Este livro está dividido em duas partes: na primeira, nós temos contos que abordam muito essa minha chegada no Brasil, as experiências vividas aqui. O território brasileiro é o palco. E na segunda parte, nós temos os contos que têm como palco o território de Cabo Verde, onde eu falo mais sobre essa parte das personalidades, das pessoas do campo, do jovem do interior... é bom frisar que os contos são fictícios, mas todos eles têm seu cerne, seu umbigo, na realidade," explica Moreira.
"Incontido Ser(vo)": Um título provocativo
O título da obra, "Incontido Ser(vo)", é uma metáfora para a busca constante por auto-reinvenção e adaptação. Moreira desafia os leitores a saírem de suas zonas de conforto e a enfrentarem novos desafios, tornando o livro um manifesto de resiliência e um convite para reivindicar um espaço merecido no mundo.
"Por exemplo, aqui no Brasil, enfrentamos questões de racismo e preconceito—desafios que nos obrigam a aprender a lidar com aquilo. E não existe um manual de como lidar com essas situações. Então nesse momento você é instigado a ser incontido, a se revoltar, a buscar uma forma de se posicionar perante aquilo que não está confortável, falando, batendo no peito, exigindo respeito e querendo seu espaço, seu lugar merecido," sublinha Moreira.
Publicação e impacto cultural
Ailton Moreira destaca as dificuldades enfrentadas por novos escritores em Cabo Verde, especialmente aqueles de origens periféricas.
"Desde o lançamento de 'Pingu di Speransa,”, não tive ainda a oportunidade de me encontrar com o público de Cabo Verde para apresentar os meus três exemplares. Portanto, meu próximo desafio é organizar esses lançamentos lá. Quero estar próximo do meu público, de onde toda a inspiração para todos os três livros vem," conta.
Ele ressalta que "em Cabo Verde, o processo de publicação ainda é um pouco elitizado", destacando a falta de incentivos governamentais e de recursos para escritores jovens e emergentes. Ele lamenta a escassez de oportunidades para publicar obras em crioulo cabo-verdiano: "Não há editais que fomentem esses escritores ou que dêem esperança de serem financiados e verem seus sonhos realizados".
Ele reflete sobre sua própria trajetória como "um jovem periférico" que conseguiu superar barreiras, mas ressalta: "o caminho é muito árduo e nunca se pode falar de meritocracia, porque o caminho não é o mesmo para todos." Moreira conclui enfatizando a necessidade de mais apoio governamental: "os governos precisam ter um olhar sensível para apoiar quem mais precisa."
Ailton Moreira, com sua prosa rica e reflexiva, não apenas enriquece o panorama literário com sua visão única, mas também inspira uma reflexão profunda sobre como as intersecções de identidade, cultura e literatura moldam nossa compreensão do mundo. Através de suas palavras e histórias, ele não só celebra a diversidade cultural, mas também convida cada um de nós a explorar o 'incontido' que reside dentro de cada um.
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